Ela disse, ele disse

Está cada vez mais difícil entender o que certas pessoas falam. Algumas delas acham que seus ouvintes compartilham as mesmas informações, e se expressam como se todos pudessem compreender claramente a mensagem que comunicam. Observe este diálogo hipotético:

- Você não vai acreditar, fechamos o contrato ontem.
Quando eles ligaram para mim na semana passada e disseram que queriam conversar, eu pensei, só pode ser alguma brincadeira de mau-gosto, esses caras não estão a fim de nada, só querem zoar. Em todo caso, mandei a proposta conforme haviam solicitado, esperei mais um dia e mandei buscar o resultado. A história foi incrível. Assim que ela chegou na porta do escritório, eles mandaram esperar porque ainda faltava analisar detalhes da operação. Quase uma hora depois veio a autorização para que ela subisse para pegar o pedido. Bem, eu fiquei aqui o tempo todo com o coração quase saindo pela boca, fumando um cigarro atrás do outro. Cada passo que eu ouvia, tinha a impressão de que era ela chegando com a resposta. Finalmente ela chegou com um sorriso maior que a boca. Era melhor do que se podia imaginar - eles aprovaram tudo sem pedido de desconto, sem mudança no projeto, sem antecipação de prazo. Agora é só botar mãos à obra e faturar. Já estou contabilizando cada centavo desse pedidão.

- Desculpe, não é por nada não, mas de quem e do que você está falando. Quem são eles. Quem é ela? Que raio de pedido é esse? Não me leve a mal não, mas tenho a impressão de que você está falando grego. Explique direitinho que história é essa.

- Explicar direitinho? Mas, onde você estava com a cabeça enquanto eu falava sobre o novo contrato?

Talvez não com esse exagero, mas é assim que algumas pessoas tentam se comunicar. Abusam dos pronomes como se todos pudessem entender o que pretendem comunicar. É ela aqui, ele acolá, aquele mais adiante, deles a seguir, sem identificar as pessoas pelo nome. Só que as informações que estão na cabeça de quem fala não são, necessariamente, as mesmas que estão na cabeça de quem ouve.

Cuidado. Às vezes o que é tão claro e simples para quem fala, pode ser extremamente complexo, difícil e estranho para quem ouve. O “ela” que foi buscar a aprovação no escritório poderia ser Margarida Lemos, a gerente de projetos; mas, poderia ser também Janete, a recepcionista. O “eles” ou “esses” poderia ser a Construtora Equilíbrio; mas, poderia ser também o Escritório de Planejamento e Arquitetura Talento. Quem contou a história sabia de quem se tratava, entretanto, quem ouviu, como não acompanhou todo o processo, não sabia a que pessoa e a qual empresa seu interlocutor se referia.

Por isso, confira sempre se os ouvintes entenderam o sentido que você está tentando comunicar. E explique, analise a reação que suas palavras provocam; esclareça e defina fatos, lugares, causas, efeitos, conseqüências; identifique pessoas e use informações concretas. Assim, use pronomes apenas quando o nome já for conhecido do ouvinte ou do leitor. Tenha a cautela de identificar de forma clara os personagens das suas histórias. Se não quiser repetir o nome por questões estéticas, e também não desejar fazer uso de pronomes, lance mão de identificadores alternativos. Por exemplo, se já tiver usado o nome de “Kafka”, ao se referir a ele novamente e não desejar usar um pronome, poderia identificá-lo como o “autor de Metamorfose”. Da mesma maneira se mencionasse “Carlos Alberto Parreira”, poderia fazer nova referência a ele como “o técnico da seleção canarinho”. O ouvinte ou o leitor saberia que se trata da mesma pessoa.

Portanto, fique bem atento, pois se ao falar perceber que seu ouvinte demonstra um semblante de quem não está entendendo nada, talvez esteja na hora de usar mais nomes e menos pronomes.





Reinaldo Polito é Mestre em Ciências da Comunicação, Palestrante, Professor de Expressão Verbal e Escritor. Escreveu 15 livros com mais de um milhão de exemplares vendidos. Seu site www.polito.com.br

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