Medo de Mudar

Lembro-me de quando saí de Araraquara, no interior e vim para a capital. Garotão ainda, acostumado a viver em uma cidade com pouco mais de 100 mil habitantes, onde o edifício mais alto e único era o da fábrica de Meias Lupo.Para dar uma idéia melhor de como era a metrópole basta dizer que o prédio tinha um relógio na parte superior e todas as pessoas podiam avistá-lo, não importando o bairro que morassem. Ao chegar em São Paulo caí como pára-quedista no centro velho, e quase fiquei com torcicolo tentando ver o topo dos prédios e procurando entender o motivo de as pessoas terem aquele olhar distante, de quem via e não enxergava ninguém. No primeiro mês arrumei a mala três vezes para retornar "ao colinho da mamãe". Mas, como chegar em casa de volta e explicar aos amigos e parentes que tinha fracassado? E algo me dizia também que no futuro viveria batendo a cabeça na parede de remorso, por não ter ao menos tentado.Fiquei.

Em 1985 passei por um dilema angustiante. Trabalhava como gerente de banco durante o dia e à noite e nos finais de semana atuava como professor de expressão verbal. O emprego no banco era muito bem remunerado, por ser organização estrangeira, pagavam bem acima da média do mercado, e eu era um ótimo profissional, pois tinha todos os requisitos para a função - dava aulas de matemática financeira, analisava com propriedade balanços e cadastros das empresas, tinha habilidade para negociar e era bem relacionado. Por outro lado, a escola já estava indo muito bem, projetada em todo o território nacional e com grandes organizações solicitando cursos in company, que geralmente eram recusados por incompatibilidade de horário - eles queriam os treinamentos durante o dia, quando eu precisava visitar os clientes.

Agora, como é que eu poderia largar um empregão daquele? Era um salário que permitia ter carro do ano, morar em um bom apartamento, ter férias em bons hotéis e pagar ótimas escolas para os filhos. Estaria me aventurando a abraçar uma atividade que ninguém poderia dizer o rumo que tomaria. Depois, se pedisse demissão, com despedida pomposa, como efetivamente ocorreu, e não desse certo, não teria cara de bater à porta novamente dizendo - fracassei moçada, não deu certo e estou retornado para minha escrivaninha de sempre.
Entre continuar fazendo o que gostava e arriscar a fazer o que era uma paixão, fiquei com a segunda.Fui.
Esses dois exemplos mostram bem a dificuldade que encontramos para tomar decisões que exigem mudanças na nossa vida.
Hoje não troco São Paulo por cidade nenhuma no mundo e dirijo a maior escola de expressão verbal da América Latina, que só me tem dado alegrias.

Mas, em momentos de maior lucidez, com a cabecinha mais arejada, chego a pensar que esse meu entusiasmo talvez seja o mesmo medo de mudança do passado, porque naquela época eu também gostava da minha querida Morada do Sol e gostava e me sentia feliz e confortável como gerente do banco. Nós, seres humanos, somos assim mesmo, tememos o desconhecido e nos apoiamos nas circunstâncias que nos dão conforto e segurança. A solução para decidir pela mudança é essa - se desejar ou precisar muito da mudança, estufe o peito e mude, e deixe que o futuro revele se a decisão foi ou não acertada.





Reinaldo Polito é Mestre em Ciências da Comunicação, Palestrante, Professor de Expressão Verbal e Escritor. Escreveu 15 livros com mais de um milhão de exemplares vendidos. Seu site www.polito.com.br

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