Pare de dar nó na língua

Quando leio um texto do Luis Fernando Veríssimo, fico morrendo de inveja. Falo para mim mesmo: como é que ele consegue construir períodos tão perfeitos, com idéias completas, prontas e acabadas? Talvez Dante na Divina Comédia tenha atingido essa proeza de fechar todo um pensamento em apenas uma frase.
Depois que aprendemos a ler as entrelinhas de Machado de Assis, poderíamos acrescentar o fundador da Academia Brasileira de Letras nesse grupo seleto, que abrigaria o irlandês James Joyce ao escrever Ulisses e mais um ou outro, como o colombiano Gabriel Garcia Márquez e o argentino Jorge Luis Borges.
Daria para acrescentar mais uma dezena bem escolhida, para que depois a relação fosse minguando. Sem esquecer, lógico, o Veríssimo pai, pois os livros de Érico sempre me encantaram. Entretanto, com esse vocabulário excepcional que o ajuda a produzir páginas que serão imortais, ao falar, Luis Fernando Veríssimo é um desastre. Pronuncia as palavras como se fosse um datilógrafo (digitador, para dar uma atualizada) catando milho, tecla por tecla.
Se você quiser falar, selecionando palavras com o mesmo rigor usado para escrever, ou revestir sua comunicação de uma formalidade que não seja usual no seu cotidiano, as chances de se dar mal aumentam. A não ser, evidentemente, que a circunstância exija. Considere também que quando falamos podemos ficar preocupados com a opinião que as outras pessoas terão da nossa mensagem e da nossa imagem e por isso, procuramos caprichar ainda mais, um cuidado excessivo que acaba nos tolhendo.
Quando escrevemos, mesmo que tenhamos preocupação com a opinião das outras pessoas temos tempo de meditar sobre o que vamos dizer e reescrever o que não julgarmos oportuno. Fico arrepiado quando vejo alguém tentando escrever o que pretende falar, principalmente se não ensaiar o que vai dizer. O ritmo, a cadência, a pausa, a estrutura melódica da comunicação oral são aspectos muito diferentes da comunicação escrita. Uma palavra, uma vírgula, uma entonação distinta da planejada são pequenos detalhes que modificam a seqüência e a maneira de transmitir a mensagem.
A falta de compreensão dessa realidade pode levar a alguns enganos de avaliação. Ao longo desses mais de 20 anos ministrando cursos de expressão verbal, tenho recebido, com freqüência, alunos que chegam reclamando da falta de vocabulário ou da dificuldade que sentem para encontrar as palavras que identifiquem de maneira correta o seu pensamento.
Nessas circunstâncias peço que a pessoa me conte qual é exatamente sua dificuldade com o vocabulário. E durante uns 10 ou 15 minutos ela passa a falar sobre os problemas que tem enfrentado e de como, às vezes, sofre sem saber como agir diante de um grupo quando as palavras não aparecem. Como conseguem até escrever com facilidade, mas não se saem tão bem ao falar. O mais curioso, entretanto, é que para explicar o problema do vocabulário encontram todas as palavras que precisam, sem nenhuma dificuldade.

O problema do vocabulário, de maneira geral, está, portanto, na atitude que temos e não nele em si. Se numa situação formal, diante de um grupo de pessoas, usarmos as palavras que usamos no dia-a-dia, quando estamos conversando com amigos, parentes, ou colegas de trabalho teremos à disposição um vocabulário mais do que suficiente para corporificar e vestir todas as nossas idéias.
Ocorre que nessas ocasiões mais formais as pessoas costumam se expressar com palavras diferentes daquelas que usam nas situações do cotidiano, procuram construir frases com estrutura mais sofisticada e por isso sentem dificuldade para transmitir o que estão pensando. Ou, como no caso dos escritores que pensam e meditam sobre cada palavra que põem no papel, ou na tela do computador e se atrapalham e dão verdadeiro nó na língua quando precisam se expressar oralmente.
Não estou dizendo que quem escreve bem não fala bem. Muito ao contrário, normalmente, quem escreve bem também possui boa comunicação oral. Mas, isso devido ao bom preparo intelectual e ao treino na pesquisa e na busca das palavras que precisam corporificar o pensamento, porque, insisto, falar e escrever são duas atividades distintas.

Por isso, se deseja falar com fluência e desembaraço, precisa treinar e praticar a comunicação oral, para adquirir essa espécie de automatismo da fala, essa capacidade de pensar e, praticamente, falar ao mesmo tempo. Um bom exercício para desenvolver o hábito de verbalizar o pensamento é ler artigos de jornais e revistas e, na primeira oportunidade, comentar sobre essas informações com as pessoas que encontrar.
Assim, habituando-se a verbalizar os pensamentos, a falar sobre as informações que acabar de ler e usar nas situações mais formais o mesmo tipo de vocabulário que usa nas conversas com as pessoas mais próximas, no dia-a-dia, além de tornar sua comunicação muito mais eficiente, poderá contar com um apoio excepcional para transmitir suas idéias e projetos, aprimorando-se na arte de persuadir e de se relacionar bem com os seus semelhantes. Vamos lá, ponha esse objetivo de falar de maneira mais fluente em qualquer circunstância entre suas prioridades e transforme-se numa pessoa ainda melhor.





Reinaldo Polito é Mestre em Ciências da Comunicação, Palestrante, Professor de Expressão Verbal e Escritor. Escreveu 15 livros com mais de um milhão de exemplares vendidos. Seu site www.polito.com.br

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