Confiança demais para falar em público

Nãnaninanã. Pode tirando o cavalinho da chuva, porque falar em público não é só aprender algumas regrinhas e imaginar que nunca mais vai sofrer diante da platéia. Essa história de achar que com algumas poucas horas de tribuna já se transformou num Rui Barbosa, e que os ouvintes sempre se renderão ao seu charme é assinar, com firma reconhecida, o atestado de quem ainda tem muito a aprender.

Fique satisfeito se sentir um pouquinho de medo antes de falar em público. Esse desconforto fará com que você respeite os ouvintes e se prepare de maneira mais adequada. Aquele que bate no peito e diz: "xacomigo", pode me dar o assunto que quiser e me colocar diante de qualquer tipo de platéia que tiro de letra, é um perigo. Na primeira vacilada poderá encontrar uma armadilha que o fará se sentir como o mais desavisado dos principiantes. O pior é que com o tempo a pessoa vai se sentindo tão confiante que começa ir para a frente do público com a certeza de que tudo sempre dará certo, sem nenhum acidente de percurso. Posso dar meu testemunho pessoal - falo em público profissionalmente há 27 anos, e garanto que toda vez é uma nova experiência.

Já fiz um determinado tipo de palestra milhares de vezes, sem exagero, e não deveria encontrar nenhuma novidade para repeti-la, mas nunca funciona do mesmo jeito. Num dia perco o ritmo, no outro não consigo sensibilizar os ouvintes, numa outra oportunidade fico desconcentrado. Enfim, o que não falta é surpresa a cada apresentação. Na verdade são tantas situações inusitadas que nem deveria me surpreender mais.
Esteja sempre bem preparado para mudar suas estratégias de acordo com as circunstâncias que encontrar. Nunca considere imutável um plano de ação, por mais bem elaborado que tenha sido. Conscientize-se de que comunicação não é uma ciência exata e, principalmente, de que as regras foram feitas para nos ajudar, mas não são suficientes para prever todos os detalhes que poderão surgir quando estamos falando em público.
Já pensou na saia justa que você vestiria, por exemplo, se, depois de ter preparado uma apresentação com todo o cuidado, chegasse na frente da platéia e descobrisse que as pessoas não têm nada a ver com o tipo de público que havia imaginado durante a fase de planejamento? Ora, se falar em público já deixa a maioria com o coração na boca, esse tipo de engano pode trazer conseqüências ainda mais graves.

Nessas situações, a atitude mais acertada é abandonar o que havia sido planejado e criar uma outra apresentação mais apropriada, levando em conta o nível intelectual, o conhecimento e a faixa etária dos ouvintes. Essa nova apresentação improvisada, feita ali diante dos ouvintes, com todas as falhas que muito provavelmente surgirão, com certeza será mais eficiente do que a outra, que, apesar de ter sido preparada com todo rigor técnico, estaria sempre distante da realidade dos ouvintes.

Por isso, prepare-se da melhor maneira que puder, mas fique esperto e pronto para dar meia volta e mudar a maneira de expor a mensagem, considerando o tipo de público que efetivamente tiver pela frente. É apenas um exemplo do que poderá ocorrer. E veja que estou falando de mudanças em cima de uma apresentação cuidadosamente planejada com antecedência. O que dizer então daquele que vai para a frente da platéia sem ter se preparado de maneira conveniente?! Por isso, nada de fazer da tribuna uma passarela para desfilar com salto alto como se o mundo fosse se render aos seus encantos. Nessa história de falar em público vale muito a receitinha que trouxe lá de Araraquara no interior de São Paulo: Canja de galinha, água benta e um pouco de medo nunca fazem mal a ninguém.





Reinaldo Polito é Mestre em Ciências da Comunicação, Palestrante, Professor de Expressão Verbal e Escritor. Escreveu 15 livros com mais de um milhão de exemplares vendidos. Seu site www.polito.com.br

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