Há milonga nessa história das livrarias

A partir desta semana, a história dos livros, das livrarias e da leitura em nosso país passa a ser contada de uma forma totalmente distinta. Provavelmente, com a compra da Siciliano pela Saraiva a educação no Brasil seguirá um rumo diferente, e, esperamos, muito mais promissor.

Por R$ 60 milhões, a Saraiva, que possuía 36 lojas em sua rede de livrarias, ficou com mais 63, totalizando agora 99 lojas. Um império que chega a assustar muitas editoras, já que deverão se confrontar com um forte e, até então, desconhecido poder de barganha.

O lado positivo da questão é que uma organização desse porte só sobrevive se o país tiver muitos leitores. E pessoas começam a ler ou aumentam a quantidade de obras lidas se forem estimuladas, incentivadas e seduzidas a se aproximar dos livros.

Para a arte de falar em público a notícia não poderia ser mais alvissareira. Comunicação de qualidade pressupõe conteúdo e conhecimento. E um dos meios mais eficientes para se obter esses ingredientes fundamentais à estruturação da boa mensagem é a leitura.

Há pouco tempo a CBL (Câmara Brasileira do Livro) pediu que eu escrevesse um texto para falar sobre o mercado de livros no Brasil. Além de me dedicar à pesquisa sobre o tema em nosso país, aproveitei para incluir os argentinos na conversa. Vamos aos pontos e contrapontos.

Os argentinos se vestem melhor que os brasileiros - concordo. Produzem vinhos de qualidade superior aos nossos - concordo. 'Los hermanos' têm mais librerias que 'nosotros' - não concordo. Não? Ué, mas sempre disseram que na Argentina havia mais livrarias que no Brasil!

Pois é, jogaram essa milonga e nós a engolimos sem pesquisar os fatos. Não só não tem, como a diferença a nosso favor é quase a mesma que temos com o número de campeonatos mundiais de futebol.

Adoro a Argentina e os argentinos. Perdi a conta de quantas vezes aterrissei em Buenos Aires. Passear a pé por suas calles é sempre um prazer indescritível. Entretanto, essa história sobre o número de livrarias precisa ser contada direitinho.

Segundo levantamento da Associação Nacional de Livrarias (ANL), realizado com o apoio da Câmara Brasileira do Livro (CBL) e do Sindicato Nacional dos Editores de Livros (Snel), que está saindo agora do forno, temos hoje no Brasil 2.767 livrarias. Desse total, 50% estão em São Paulo, Rio de Janeiro e Minas Gerais. Da outra metade, 35% estão nas regiões Sul e Nordeste.

As informações sobre o número recente de livrarias na Argentina são escassas e divergentes, mas, pelas publicações que li na imprensa dos próprios argentinos, com o fechamento recente de inúmeros pontos-de-venda, estão beirando mil.

Ou seja, a goleada a nosso favor é de mais ou menos duas vezes e meia. Antes que você empunhe a bandeira e comece a comemorar na Avenida Paulista com o grito de 'ééé campeããão, ééé campeããão', há outros pontos que precisam ser esclarecidos.

São quesitos negativos para o Brasil que, diante dos argentinos, nos obrigam a meter o rabo entre as pernas e ficar meio corados.

A recomendação da Organização das Nações Unidas (ONU) é que o número ideal de livrarias seja de uma para cada 10 mil habitantes. Nem os norte-americanos chegam lá, pois possuem uma livraria para cada 15 mil habitantes.

Pelos números recentes, demos uma melhorada, mas a estatística ainda é bem ruinzinha: 2.767 livrarias para 190 milhões de pessoas, o que dá por volta de uma para cada 70 mil habitantes.

O Estado de São Paulo, que com 676 livrarias está na liderança, para uma população de 40 milhões de habitantes atinge uma livraria para cada 60 mil paulistas. Aqui está a grande vantagem dos argentinos: eles têm uma livraria para cada 50 mil habitantes. Feito o mea-culpa, vamos a algumas considerações relevantes.

De acordo com um estudo realizado pela Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas (Fipe) para a CBL e o Snel, do total de 310 milhões de livros comercializados no Brasil em 2006, apenas 125 milhões foram comprados e vendidos pela livre iniciativa; os outros 185 milhões nem passaram perto da porta das livrarias, pois foram adquiridos pelo governo diretamente das editoras.

Para 2008 o Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE/MEC) irá comprar, de 14 editoras e grupos editoriais, 127 milhões de livros para serem distribuídos aos alunos dos ensinos médio e fundamental.

É fácil deduzir que, se esse público comprador estivesse adquirindo livros normalmente no mercado, o número de livrarias seria muito maior.

O ponto positivo dessa informação é que o governo compra em grande quantidade e, por isso, consegue fazer negociação mais vantajosa. É o maior programa de compra de livros por parte do governo para estudantes em todo o mundo.

Mais um dado para refletirmos. Quando se fala em grande livraria na Argentina, as pessoas só se lembram da El Ateneo e de mais uma ou outra. Cada megastore inaugurada pela Fnac, Cultura e Saraiva no Brasil representa quase dez pequenas livrarias. Vai somando tudo isso para ver aonde chegam os números.

Embora as informações atuais indiquem que, enquanto o brasileiro lê em média 1,8 livro por ano, o colombiano 2,4 e o argentino 4, os próprios argentinos reclamam do baixo nível de leitura dos seus estudantes.

A pesquisa da Unesco (Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura) de 2002 não está atualizada, mas mostra bem como, pelo menos dentro das escolas, estamos na frente: um estudante argentino lê 0,9 livro por ano; no Brasil a média é de 4 livros anuais.

Outro dado alentador para o mercado livreiro do Brasil está no interesse pelas bienais. Os números da última Bienal do Livro de São Paulo impressionam: 1,5 milhão de livros expostos, mais de 800 mil pessoas circulando pelos estandes e 3 mil novos títulos lançados.

É livro para argentino nenhum botar defeito. O resultado prático é animador, pois 80% das pessoas que visitaram as bienais compraram livros. O dobro do resultado obtido pelas feiras argentinas.

Lógico que essa comparação com os argentinos foi mais para dar uma apimentada na conversa e desfazer um mito que foi propagado por falta de análise mais criteriosa das estatísticas.

Vale a pena observar também como está situado o mercado livreiro no Brasil. Pelas informações da ANL, as 2.767 livrarias existentes no País estão assim distribuídas: 13% são redes com até 20 filiais e lojas independentes e 61% compõem a parte mais representativa do mercado - são redes de 21 a 50 lojas.

As livrarias de pequeno e médio porte, com faturamento mensal que varia de 35 mil a 45 mil reais, representam 70% dos estabelecimentos.

Para que surjam pequenas livrarias, e para que elas possam se manter no mercado, os empreendedores precisam se dedicar a um atendimento especializado e diferenciado. Desta forma, complementariam ações das grandes redes, como a gigante Saraiva, atendendo a um interesse específico do consumidor.

Outro tema que precisa continuar sendo debatido é o estabelecimento do preço fixo para o livro, com limite para o desconto concedido ao consumidor final, como já adotado em muitos países. São saídas para manter e ampliar o número de livrarias no Brasil.

As estatísticas e pesquisas que usei para alinhavar meu raciocínio podem ser contestadas, e em alguns casos talvez até sejam imprecisas, pois, como dizia Roberto Campos, estatística é como biquíni, mostra tudo, mas esconde o essencial. O importante, porém, é incentivar o debate e a reflexão sobre esse tema tão relevante para o Brasil.

Finalmente, precisamos nos conscientizar da importância de se incentivar a leitura, especialmente entre as crianças, pois é a infância a fase da vida em que se toma o gosto pelos livros.

Assim, vamos preparar nosso País para crescer e prosperar. Ninguém pode cruzar os braços diante dessa realidade, pois essa é uma responsabilidade de todos nós.

Investimentos como esse feito pela Saraiva devem ser vistos com bons olhos, pois estão acreditando que o brasileiro passará a ler ainda mais. Quem sabe um dia possamos conquistar resultados semelhantes aos países do primeiro mundo. Oxalá!

SUPERDICAS DA SEMANA

* Incentive as crianças a ler. Dê livros de presente
* Estabeleça uma meta para suas leituras. Pelo menos um livro por mês
* Alterne a leitura entre livros técnicos e obras de ficção
* Habitue-se a comentar as obras que lê
* Monte uma biblioteca com livros que mereçam ficar na sua cabeceira





Reinaldo Polito é Mestre em Ciências da Comunicação, Palestrante, Professor de Expressão Verbal e Escritor. Escreveu 15 livros com mais de um milhão de exemplares vendidos. Seu site www.polito.com.br

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