Tolerância e permissividade

Se você jogar um sapo em uma panela com água fervente, ele irá saltar para fora rapidamente. Por outro lado, se você puser um sapo em água fria dentro de uma panela e for aquecendo aos poucos, este irá morrer estático e cozido, como se nada tivesse acontecido.

Em janeiro deste ano, a jovem Marina Sanches Garnero foi assassinada pelo ex-namorado com vários tiros. Ela, com 23 anos, estava trabalhando em uma academia de ginástica como recepcionista. Antes que este crime acontecesse, ela foi agredida e ameaçada várias vezes. Marina registrava queixa na delegacia e o jovem agressor continuava solto. Afinal, por que a Polícia deveria se preocupar com estas brigas de ex-namorados? Para os policiais e delegados, há coisas mais importantes com que se ocupar.

No Rio de Janeiro, a Guarda Municipal tem funções como a de recolher menores que estão pedindo esmola nos semáforos e levá-los para uma delegacia a fim de que seja registrada uma ocorrência e os menores infratores encaminhados às suas casas ou a alguma instituição. Até aí, está tudo certo. Só que os próprios delegados, sub-delegados etc da Polícia Civil, ao receberem um agente da Guarda Municipal, reclamam que este está trazendo trabalho extra para eles e o deixam “em banho-maria” por mais de uma hora para registrar o boletim de ocorrência e, só então, liberar o agente da Guarda Municipal. Isto tudo para desestimular esta atitude por parte de quem quer fazer cumprir a lei.

Em todo o Brasil, ficamos aborrecidos e entristecidos pelas notícias dos “trotes” nos primeiros dias de aula nas faculdades de todo o país. Alguns “veteranos” se excedem e agridem moral e fisicamente os “calouros”. Existem várias definições para a palavra trote e uma delas é um específico “ritmo ou andamento de um cavalo”. Pelo visto os trotes violentos praticados por alguns grupos devem ter sido ação de alguns destes estudantes “equinos”. Em geral, não acontece nada grave, tudo no limite do tolerável, até que algo de errado ocorre.

Sim. Devemos ser tolerantes. Devemos aceitar as diferenças. Devemos viver de forma a nos adaptar às novas realidades. Isso tudo é certo. O que é errado é sermos permissivos. Nós, latinos, acabamos por nos educar dentro de uma excessiva tolerância ao erro, o que acaba por se traduzir como permissividade.

O que você pensa de um político corrupto (quase um pleonasmo) que desvia verbas públicas ou favorece empresas igualmente corruptas? Ah! Que absurdo! Devia estar na cadeia! Em pesquisas recentes, entrevistados assumiram que, se estivessem ocupando algum cargo público também seriam corruptos e se locupletariam. E é a mais sincera verdade. Muitos já o fazem de forma amadora, outros são até profissionais. Conheço pessoas que compram CDs e DVDs piratas, que compram celulares e câmeras roubadas porque, segundo eles, é muito mais barato. Outros têm alguma irregularidade em seus comércios e mantém um fiscal em sua folha paralela de pagamento.

São delitos pequenos por vezes, mas que vão enviando uma mensagem repetida para o cérebro, informando-o que as coisas não precisam ser corretas pois não há (ou não dá) nada errado. Continuam praticando seus delitos por causa desta repetida mensagem de impunidade. Quando eu era pequeno, meus pais me puniriam se eu levasse alguma coisa do supermercado sem pagar. Eu “apanhava” e era obrigado a levar de volta e ainda a pedir desculpas ao gerente do supermercado. Pergunte-me se eu tinha vontade de roubar alguma coisa.

Agendamos compromissos com clientes e com fornecedores regularmente. É normal que se agende um horário e que se cumpra... quero dizer, “deveria” ser normal. As duas pessoas, no mínimo, estão com sua agenda fechada para aquele horário. Qualquer atraso por uma das partes impacta nas demais agendas. Em minha experiência profissional nos EUA, pude sentir na pele como é tratado um atraso para uma reunião. Você chega com quinze minutos de atraso (seja pelo motivo que for) e recebe o castigo de ficar mais quinze minutos esperando. E a reunião passa a ter trinta minutos a menos, necessitando que se remarque uma nova data para continuidade. É através deste castigo que você passa a se policiar e perceber que agiu errado.

Esta é uma das maneiras que temos para educar uma sociedade. Existem muitas formas de comunicar alguma coisa a alguém ou a um grupo. Muitas vezes, a comunicação acontece em níveis racionais, através de textos como este que você está lendo, mas, principalmente, em níveis mais subjetivos. Ocorre através dos comportamentos, gerando a percepção dos limites e do papel social do indivíduo. Sabemos facilmente se estamos fazendo a coisa correta para o próximo, conforme a sua reação. Se estamos sendo aprovados ou reprovados. Elogiados ou punidos pela nossa forma de agir.

Se você deseja viver em um mundo com mais segurança, com maior obediência às leis, com mais educação e melhores profissionais em todos os campos, comece por você. Faça um check-up em todos os aspectos de sua vida e verifique se não está errando em nada. Verifique se seu computador tem softwares pirateados e legalize-se. Tenha certeza que seus impostos estão sendo pagos. Esforce-se em cumprir tudo o que se compromete. Negue esmolas nos semáforos. Não aceite as falhas de seus parceiros, Estado, clientes e fornecedores e, principalmente, não aceite as suas próprias falhas. Seja pontual e não admita atrasos. Não faça “vista grossa” para crimes, por menores que sejam.

Se você quer acabar com a impunidade no seu país, comece por você.





O jornalista Marcello Pepe (MTB 19259/MG) trabalhou por muitos anos para o jornalismo brasileiro nos Estados Unidos, onde pode editar, redigir e diagramar vários periódicos brasileiros. Lançou em 1997 o premiado PlanetaFax, sendo o primeiro informativo diário em português nos EUA. Atualmente, é gestor do Relaciono, professional coach, palestrante e professor de comunicação em público. Confira o novo blog de Marcello Pepe em www.marcellopepe.com

O conteúdo veiculado nas colunas é de responsabilidade de seus autores.