Admirável artista

Os critérios que nos levam a nos apaixonarmos por alguém são, via de regra, equivocados, ou pelo menos imperfeitos. Daí nos decepcionarmos, tão amiúde, no amor. A maioria ama pela beleza física de certas pessoas, artifício de que a natureza nos dotou para assegurar a perpetuação da espécie, sem atentar para outras virtudes delas. Só que o tempo não perdoa ninguém.

Um dia a amada perde o viço da juventude e não se torna mais tão atrativa aos olhos. Caso não haja o ingrediente da amizade, da camaradagem e da cumplicidade entre o casal, sobrevém a mútua frustração. E não tarda para o relacionamento se desfazer.

Há quem se apaixone por ter admiração por alguém, sem atentar para os seus defeitos. Quando os descobre... É aquela tragédia! O leitor já reparou que o amor, pelo menos em sua fase inicial, aquela que mais nos marca e que nos deixa lembranças preciosas e inesquecíveis, mesmo quando se acaba, é uma espécie de perpétua infância?

Retomamos aquela ingenuidade inicial de meninos que com o tempo deixamos pelos caminhos da vida. Até as expressões que utilizamos durante o namoro são inocentes, carinhosas e um tanto quanto infantis, quando não piegas. Contudo, não nos importamos com isso e sequer notamos.

Não por acaso, o amor é representado pela figura de uma criança, Eros (ou Cupido), garoto brincalhão que se diverte a lançar flechas nos corações dos incautos. E como as lança! Como brinca com os sentimentos humanos!

Pena que, com o tempo, essa inocência seja substituída por outras características, nem sempre as mais desejáveis, que às vezes maculam e até destroem os relacionamentos amorosos. O poeta romano Propércio, nascido em 47 AC, na cidade de Assis, constatou a propósito: “Aquele que primeiro representou o amor nas feições de uma criança, esse foi admirável artista, porque foi também o primeiro a sentir que a vida dos amantes é infância perpétua”. E não é?

O amor é um sentimento misterioso. Nunca vem sozinho, mas traz, consigo, outras tantas emoções contraditórias, como euforia e depressão, êxtase e sofrimento, exaltação e ciúmes, tudo isso simultaneamente. Proporciona-nos o máximo de satisfações e pungentes sofrimentos quando distantes da pessoa amada.

Há quem o compare à febre, à perda de autocontrole e, principalmente, ao delírio. Doce delírio! E, ainda assim, é a mais desejável e sublime experiência que podemos ter. O escritor francês, Guy de Maupassant, no conto “A morta”, assim se expressou a propósito desse sentimento: “Por que amamos? É realmente estranho ver no mundo apenas um ser, ter no espírito um único pensamento, no coração um único desejo e na boca um único nome: um nome que ascende ininterruptamente, que sobe das profundezas da alma como a água de uma fonte, que ascende aos lábios, e que dizemos, repetimos, murmuramos o tempo todo, por toda parte, como uma prece”.

Não é assim que os amantes se sentem quando distantes um do outro? Gosto de escrever sobre o amor, ainda que não tenha nada de novo, ou sequer minimamente inteligente para dizer. Sou amante compulsivo e não me importo em pagar o devido preço por isso. Não reluto em pôr as mãos nos emaranhados de espinhos, que as ferem sem dó e nem contemplação, para colher rubras rosas de afetos. A colheita compensa qualquer dor, a despeito das flores terem vida tão efêmera, como a desse delicado sentimento.

Perguntam-me, amiúde, se eu conheço alguma receita infalível para assegurar a profundidade e, principalmente, a perpetuidade do amor e se existir, qual é. Não sou, diga-se de passagem, a pessoa mais indicada para dar esse tipo de conselho. Afinal, sou um rematado trapalhão em assuntos que dizem respeito a sentimentos. Há, contudo, inúmeras recomendações óbvias que podem ser dadas e que, se não asseguram a “eternidade” desse sentimento, o tornam sublime e profundo, pelo menos enquanto dura.

A melhor receita de amor, entre tantas de que tomei conhecimento, é esta, no meu entender, dada por Madre Teresa de Calcutá, figura humana ímpar, que dispensa apresentações: “Não ame pela beleza, pois um dia ela acaba. Não ame por admiração, pois um dia você se decepciona. Ame apenas, pois o tempo nunca pode acabar com um amor sem explicação”. E pode? Claro que não! Busque, sobretudo, preservar sua eterna inocência, aquela que tínhamos na mais remota infância. Simples assim...





Jornalista, radicado em Campinas, mas nascido em Horizontina, Rio Grande do Sul. Tem carreira iniciada no rádio, em Santo André, no ABC paulista. Escritor, com dois livros publicados e detentor da cadeira de número 14 da Academia Campinense de Letras. Foi agraciado, pela sua obra jornalística, com o título de Cidadão Campineiro, em 1993. É um dos jornalistas mais veteranos ainda em atividade em Campinas. Atualmente faz trabalhos como freelancer, é cronista do PlanetaNews.com e mantém o blog pedrobondaczuk.blogspot.com. Pontepretano de coração e autêntico "rato de biblioteca". Recebeu, em julho de 2006, a Medalha Carlos Gomes, da Câmara Municipal de Campinas, por sua contribuição às artes e à cultura da cidade.

O conteúdo veiculado nas colunas é de responsabilidade de seus autores.