Aprendizado de crueldade

A crueldade – tenho essa convicção comigo, por experiência e observação – não é inata nas pessoas. Ninguém nasce cruel, impiedoso e sanguinário. Aprende a sê-lo no correr da vida. Uns antes, outros depois, mas quando isso ocorre, é sempre por algum tipo de influência alheia, e compelido pelas circunstâncias.

Há crianças que, desde muito pequenas, por exemplo, torturam animais, agridem colegas e irmãos e mostram forte propensão para se tornarem cruéis, quando não frios e sanguinários bandidos, tidos e havidos como irrecuperáveis (quase sempre são).

Nasceram dessa forma? Entendo que não! Limitam-se a copiar o que viram ou ouviram ou o que adultos estúpidos e despreparados fizeram com elas. Consideram “normal” se impor fisicamente sobre qualquer desafeto. Caso sejam devidamente orientadas, todavia, se conscientizarão de que causar sofrimento a alguém é uma atitude abominável e mudarão esse comportamento ou, no mínimo, o manterão sob o mais estrito controle.

Por outro lado, devemos ter extrema cautela com as informações e, principalmente, com imagens com as quais alimentamos, diariamente, o nosso espírito. Explico por que. Nosso subconsciente não é seletivo, como é o consciente. Não estabelece nenhuma filtragem de valores. Não separa, pois, automaticamente, o bem do mal. Grava tudo, absolutamente tudo o que vemos, ouvimos e sentimos. E quando menos esperamos, tudo isso emerge ao consciente e lá estamos nós, agindo de maneira brutal, quando não delituosa, às vezes até à nossa revelia.

Caso, na vida cotidiana, nos fartemos de imagens de atos de degradação e de destruição alheios – quer através do noticiário, do cinema e da televisão, quer por vivenciarmos essas situações de conflito – corremos o risco do nosso subconsciente incrementar nossa instintiva agressividade individual e interferir, para pior, em nossa personalidade. Esses (maus) exemplos tendem a nos tornar mais agressivos que o normal (sei lá se existe alguma normalidade nisso), impiedosos e, sobretudo, cruéis.

Claro que não proponho que sejamos alienados. Longe disso! Mas, para o nosso próprio bem, em nome da nossa sanidade mental, social e comportamental, devemos ser profundamente analíticos em relação a tudo o que vemos e ouvimos e pôr tudo isso no devido contexto. Precisamos nos conscientizar que a violência é errada em toda e qualquer circunstância e jamais se justifica. E que a crueldade é absolutamente inadmissível. O melhor é repetir, repetir e repetir isso, todos os dias, como um mantra, para que se grave, se fixe em nosso subconsciente, a ferro e fogo ser preciso for.

Há, por outro lado, situações muito piores do que meramente assistir filmes violentos ou pornográficos, ler livros em que a crueldade seja levada a graus extremos de paroxismo (há inúmeros com essa característica) ou nos fartarmos de histórias de fanfarronices e valentias, como se fossem comportamentos normais. Elas são muito mais comuns do que se pensa.

Se crescermos, por exemplo, em um ambiente familiar desestruturado e doentio, em que todas as controvérsias se resolvam (apenas) na base da pancada (do mais forte sobre o mais fraco, claro) e se, além disso, tivermos a infelicidade de ter um pai alcoólatra, vagabundo e irresponsável (situação pra lá de comum numa infinidade de famílias mundo afora) e mãe passiva, que se submeta, docilmente, à violência, e não tome nunca quaisquer providências para fazer valer seus direitos mais comezinhos (em geral, por medo de represálias), as probabilidades de reproduzirmos esse comportamento anormal e cruel (de que somos testemunhas e vítimas) são imensas, senão praticamente absolutas.

Claro que somente isso não justifica a violência. Nada a justifica e nunca. Explica-a, todavia, pelo menos em parte. Queiram ou não, as cenas terríveis, mostradas por determinados filmes, se constituem, de fato, numa aprendizagem da crueldade. Subconscientemente, podemos ser incitados à imitação e nos tornarmos, à nossa revelia, pessoas violentas e destrutivas, como esses personagens da ficção.

Não sou eu que afirmo isso. Especialistas no estudo do comportamento, psicólogos, psiquiatras, filósofos e sociólogos fazem, a todo o momento, a mesma constatação, subsidiados por dados concretos, posto que não desta minha maneira desabrida, nua e crua, sem recurso a quaisquer teorias e a jargões interditos à maioria.

Reitero, pois, o que afirmei: a crueldade não é inata. É fruto de aprendizagem. O sociólogo francês, Philipe Saint-Marc, dá-me razão e faz a seguinte advertência a respeito: “Não existe uma substituição da agressividade individual, mas a aprendizagem da crueldade, o incitamento à imitação, à reprodução na vida cotidiana de atos de degradação ou de destruição que excitaram a imaginação do espectador”.

Portanto, amigo, cautela! Saiba ser seletivo em relação ao que ouve e vê e, sobretudo, tenha sempre em mente a escala de valores que faz do homem mais do que mero animal: torna-o racional. Para quê abarrotar seu subconsciente com esse perigoso lixo tóxico?





Jornalista, radicado em Campinas, mas nascido em Horizontina, Rio Grande do Sul. Tem carreira iniciada no rádio, em Santo André, no ABC paulista. Escritor, com dois livros publicados e detentor da cadeira de número 14 da Academia Campinense de Letras. Foi agraciado, pela sua obra jornalística, com o título de Cidadão Campineiro, em 1993. É um dos jornalistas mais veteranos ainda em atividade em Campinas. Atualmente faz trabalhos como freelancer, é cronista do PlanetaNews.com e mantém o blog pedrobondaczuk.blogspot.com. Pontepretano de coração e autêntico "rato de biblioteca". Recebeu, em julho de 2006, a Medalha Carlos Gomes, da Câmara Municipal de Campinas, por sua contribuição às artes e à cultura da cidade.

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