Atalho para o Amor

Atalho para o amor

Pedro J. Bondaczuk


O amor sempre foi, é e será mistério insondável para os que tiveram a ventura de passar por essa experiência marcante, a mais profunda e compensadora da nossa vida. Quem nunca passou por ela, porém, não tem (e nem pode ter) a menor noção da sua intensidade e transcendência.

Às vezes convivemos anos com uma pessoa do outro sexo, pela qual não sentimos nada de especial e com quem, não raro, brigamos continuamente, achando, até, que a detestamos e que a recíproca seja verdadeira. Lá um belo dia, porém, sem nenhum aviso ou explicação, nos sentimos irresistivelmente atraídos por esse alguém, a ponto de o considerarmos o centro e a razão de nossas vidas.

Caso haja correspondência, vivemos, então, momentos de delírio e de sofrimento inigualáveis, que nenhum outro tipo de sentimento provoca. Mesmo que não correspondidos, no entanto, essa emoção ímpar, brotada, literalmente, do nada, marca nossas vidas para sempre.

Mas o amor é caprichoso e não raro injusto. Idealizamos uma parceira perfeita, que satisfaça todas as nossas expectativas físicas e emocionais. Quase sempre, porém, na convivência real, na maçante rotina do dia a dia, caso os dois parceiros não continuem alimentando, mutuamente, a fantasia da perfeição que os atraiu e ligou, os defeitos reais de ambos se tornam visíveis e, às vezes, insuportáveis. E, se não forem tolerados por uma das partes, ou por ambas, o afeto mútuo que os atraía, e que julgavam que seria eterno, sofre morte súbita.

O amor que consegue sobreviver a esses instantes de lucidez e insatisfação, se perpetua e acompanha o casal até a morte. O que não sobrevive... Mas mesmo quando acaba, deixa vestígios de ternura e encantamento na alma e na memória dos amantes, tenham ou não consciência disso.

Concordo, no entanto, com Vinícius de Moraes quando acentua: “o amor é eterno, enquanto dura”. O delírio, causado por esse sentimento, em seu auge, pode ser simbolizado por estes tercetos do “Soneto XVI”, do poeta araraquarense Raphael Luiz Thomas, que dizem: “Não sei que força esplêndida e plangente/no coração o amor me vai soprando/em me levando a esse suspiro infindo...//Não me importa saber – sentir somente:/vivendo em ti eu morrerei cantando,/morrendo em mim tu viverás sorrindo!”

Que o amor, em todas as suas formas e variações, é o maior sentimento que o ser humano pode ter, é ponto pacífico. Disso restam poucas dúvidas (se é que haja alguém que duvide). Todavia, por estranho que pareça, o tema é verdadeiro campo minado para os poetas que busquem a originalidade e a perfeição.

Quase sempre, ao abordá-lo, ele resvala para a mesmice, o lugar-comum, até para a pieguice, para o seu desespero e frustração. As metáforas, não raro, são pobres, os versos são vacilantes e o conjunto do poema é até pueril. Exagero?! Não!

Claro que há magníficos poemas de amor, recitados por apaixonados ao redor do mundo e através dos tempos. Isso não quer dizer que o tema seja de fácil abordagem. E por que tanta dificuldade? Por incompetência do poeta? Nem sempre (ou quase nunca). Ocorre pela própria intensidade e complexidade desse sentimento.

Concordo com Fernando Pessoa, quando constata a propósito: “A melhor espécie de poema de amor é, em geral, escrito a respeito de uma mulher abstrata. Uma grande emoção é por demais egoísta, absorve em si própria todo o sangue do espírito,e a congestão deixa as mãos demasiado frias para escrever”. E olhem que Fernando Pessoa, do alto do seu talento, sabia o que dizia.

Embora não se possa afirmar com segurança – já que não nos é dado o privilégio de conhecer, sequer, nossas mais íntimas intenções, quanto mais a dos outros – tenho a intuição de que nem as piores feras humanas, os homens mais sanguinários e maus, estão satisfeitos com essa condição.

Tudo indica que, na verdade, querem ser justos e bons e sonham em ser amados, como qualquer pessoa normal. São, porém, atropelados pelas circunstâncias, pelas deficiências (ou ausência) de educação, por taras congênitas que escapam ao seu controle e vontade, por infâncias infelizes em lares violentos e desestruturados, pela influência do meio em que nasceram e cresceram etc.etc.etc.

Creio, piamente, na bondade latente do homem. Alguns optam apenas por ela e se tornam admirados e amados por gerações e gerações. Outros, talvez a maioria, acabam por se deixar abater pelas circunstâncias e acumulam ódios, ressentimentos, mágoas e espírito de vingança contra a sociedade que, em suas mentes doentias, é a fonte de todos os seus males.

Conversei com vários marginais – tidos e havidos como bandidos irrecuperáveis, sanguinárias e impiedosas feras humanas – e senti, em todos eles, sem nenhuma exceção (posto que em intensidades diversas) que seu sonho supremo na vida (para eles fantasioso e irrealizável) era o de serem amados e admirados por alguém (não importa quem), embora nenhum admitisse culpa por seus atos horrendos e criminosos.

John Steinbeck escreveu a respeito, no livro “A Leste do Éden” e constatou: “Na incerteza, estou convencido de que, por baixo de suas camadas superiores de fragilidade, os homens querem ser bons e querem ser amados. Na verdade, a maioria dos vícios é uma tentativa de atalho para o amor. Quando um homem morre, não importa qual tenha sido seu talento, influência e gênio, sua vida foi um fracasso se morreu sem amor; sua morte é um frio horror”.

Também estou convicto disso, pelas observações que tive a oportunidade de fazer ao longo dos anos. Se são exatas, ou não, claro, não tenho a menor condição de assegurar. Mas a intuição me sussurra que são corretíssimas. E confio nela para extrair minhas conclusões do que observo.





Jornalista, radicado em Campinas, mas nascido em Horizontina, Rio Grande do Sul. Tem carreira iniciada no rádio, em Santo André, no ABC paulista. Escritor, com dois livros publicados e detentor da cadeira de número 14 da Academia Campinense de Letras. Foi agraciado, pela sua obra jornalística, com o título de Cidadão Campineiro, em 1993. É um dos jornalistas mais veteranos ainda em atividade em Campinas. Atualmente faz trabalhos como freelancer, é cronista do PlanetaNews.com e mantém o blog pedrobondaczuk.blogspot.com. Pontepretano de coração e autêntico "rato de biblioteca". Recebeu, em julho de 2006, a Medalha Carlos Gomes, da Câmara Municipal de Campinas, por sua contribuição às artes e à cultura da cidade.

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