Ãdolos do século

O homem, a despeito da ilimitada capacidade de raciocínio de que dispõe (ao menos potencialmente), sempre teve irresistível atração e, mais do que isso, incontrolável obsessão pela idolatria. Já idolatrou, por exemplo, o sol, a lua, o fogo, o vento, a água e diversos animais, atribuindo-lhes poderes mágicos que eles não têm e nunca tiveram.

Os povos mais evoluídos criaram deuses com feições, defeitos e paixões humanas. Houve os que inventaram ídolos de seres sequer inexistentes, figuras com cabeça de cão (ou águia, ou hiena etc.) e corpo humano, entre outras aberrações. E constituíram-nos em deuses, com todo um ritual, dogmas e procedimentos para os idolatrar de forma apaixonada.

Fora dos templos, adoraram desportistas que se destacavam nos Jogos Olímpicos (os originais, disputados nos arredores do Monte Olimpo, na Grécia), generais, imperadores, gladiadores etc. Nos tempos atuais, idolatram astros e estrelas dos esportes, atores e atrizes do teatro, cinema e televisão, cantores dos mais diversos gêneros etc.etc.etc.

Todos os períodos da História – que se constitui, na verdade, numa pornográfica sucessão de guerras, injustiças, maldades, contradições e violências de toda a sorte – têm seus ídolos, seus Baals, seus “bezerros de ouro”, seus objetos de culto aos quais a maioria se inclinava e venerava (o que, por estranho que pareça, ainda fazem com constância e compunção).

Daí o mundo, que poderia ser um Paraíso de risos e venturas, ser este perverso “vale de lágrimas”, de sofrimentos e dores. Esgotados todos os símbolos de idolatria, o homem houve por bem idolatrar seus semelhantes, rotulando os de suposta conduta ilibada de “santos”, aos quais atribuíram, além de imortalidade, poderes que eles nunca tiveram e jamais terão.

Fabricaram imagens que supostamente têm suas feições e passaram a adorar a esses objetos que, juram por todas as juras, são “milagrosos”, lhes erigindo altares e estabelecendo cultos repletos de rituais. Praticamente todos os dias surgem novas “religiões” em alguma parte do mundo. Ora são criadas por fanáticos, ora por desequilibrados, ora por meros espertalhões. E o estranho é que todas passam a ter fiéis adeptos.

E não são, apenas, as pessoas simples, humildes e carentes de conhecimentos e informações, que agem dessa forma e praticam (aberta ou disfarçadamente) algum tipo de idolatria, que rotulam de religião. E ai de quem ousar contestar esse procedimento! Muita gente sábia já perdeu a vida em fogueiras por muito menos do que a mera contestação.

Nem sempre, é verdade, os idolatrados são pessoas (em geral guerreiros, em detrimento dos sábios e dos idealistas). A psiquiatra Nise da Silveira, no livro “Jung Vida e Obra”, aponta quais foram, por exemplo, os ídolos do século passado (sem que os “idólatras” sequer se dessem conta dessa idolatria): “O século XX conhece grandes ídolos: raça, sexo, Estado, partido, dinheiro, máquina...”
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Isso explica a razão do mundo estar como está: poluído, ameaçado de ter seu equilíbrio natural definitivamente rompido, injusto, perverso e sofrido. Uma pergunta se insinua e se impõe a respeito: qual a verdadeira religião do homem contemporâneo, aquela que ela professa de fato, sinceramente, sem falsidade ou disfarce, e não apenas de maneira formal, como a que declara seguir?

Mais de novecentas milhões de pessoas ao redor do mundo declaram-se cristãs, como nos mostram as estatísticas. Quantas, todavia, exercem, de fato, o cristianismo? Dez por cento? Cinco? Dois? São poucos! Não gosto de abordar o tema religião, porquanto trata-se de questão de foro íntimo de cada um.

Analiso-a, contudo, com o olhar frio, desapaixonado e objetivo do cientista, do sociólogo, do estudioso do comportamento e concluo, com tristeza e decepção, que os objetos de culto do homem contemporâneo são: seu clube esportivo (quem nunca ouviu alguém dizer que encara o time de futebol pelo qual torce como religião?), o dinheiro, o automóvel, enfim, os tantos e tantos e tantos objetos de ostentação e futilidade que há por aí.

É lamentável, mas trata-se da realidade nua e crua atual mundo afora. As pessoas apegam-se a bobagens, sem valor ou sentido, e investem suas vidas nelas. Recusam-se a raciocinar e a entender o quão primitivo, irracional e tolo é esse procedimento.

O sociólogo A. Greeley aponta um dos cultos mais disseminados nesta década inicial do século XXI: “Basta visitar o salão anual do automóvel para reconhecer ali uma manifestação religiosa profundamente ritualizada. O culto do veículo sagrado tem seus fiéis e seus iniciados”. E ele está errado? Infelizmente, não!!! Quantas pessoas, tidas e havidas como equilibradas e racionais, não assassinam outras apenas porque elas ousaram avariar (não raro, causar apenas um quase imperceptível arranhão na lataria) seus “sagrados” e idolatrados carrões?!

Oxalá neste século XXI a humanidade tenha o bom-senso de substituir todos os ídolos, sem exceção, por valores perenes, que engrandecem e sublimam o homem, como bondade, justiça, solidariedade e profundo amor um pelo outro, entre tantos. E que adore, somente, única e exclusivamente, o Criador do universo, Onipotente, Onipresente, Onisciente, Perfeito e Eterno.





Jornalista, radicado em Campinas, mas nascido em Horizontina, Rio Grande do Sul. Tem carreira iniciada no rádio, em Santo André, no ABC paulista. Escritor, com dois livros publicados e detentor da cadeira de número 14 da Academia Campinense de Letras. Foi agraciado, pela sua obra jornalística, com o título de Cidadão Campineiro, em 1993. É um dos jornalistas mais veteranos ainda em atividade em Campinas. Atualmente faz trabalhos como freelancer, é cronista do PlanetaNews.com e mantém o blog pedrobondaczuk.blogspot.com. Pontepretano de coração e autêntico "rato de biblioteca". Recebeu, em julho de 2006, a Medalha Carlos Gomes, da Câmara Municipal de Campinas, por sua contribuição às artes e à cultura da cidade.

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