A obra morre

A identidade de pensamentos, sentimentos e crenças é a única forma de tentarmos preservar nossas obras do esquecimento e da morte, tão logo venhamos a esgotar nosso tempo sobre a Terra. É uma imensa tolice, portanto, nadar contra a correnteza e pretender “fazer cabeças”, com vistas a modificar gostos e opiniões para fazer proselitismo.

Leio, por exemplo, com maior atenção e gosto, apenas livros de escritores com os quais me identifico, que tenho empatia nem que seja minimamente, que pensam como penso e que aprofundam e justificam esses meus pensamentos. Os outros... Não me proponho sequer a refutar o que pensam. Ignoro-os. Quase todas as pessoas agem assim.

O mesmo vale em relação às outras artes, como pintura, escultura, música etc. Temos a vã ilusão que as obras que deixarmos irão preservar nossa memória através dos séculos e milênios e que não “morrerão” jamais. Ledo engano.

Mesmo que aquilo que deixarmos venha a despertar a identidade de milhões de pessoas (que tenham os mesmos pensamentos, sentimentos e crenças que nós), não há a mínima garantia de que essas realizações nos sobrevivam, digamos, por dois, cinco ou dez anos, quanto mais “para sempre”. Não tardará para sermos esquecidos, como se sequer tivéssemos existido, salvo uma ou outra exceção e por motivos inexplicáveis racionalmente.

Vira e mexe, por exemplo, descubro, em sebos, livros excelentes, que mereceriam tratamento muito mais nobre e que, no entanto, estão esquecidos, vendidos “aos quilos”, como papéis inúteis. Certamente, quem os escreveu tinha pretensões muito maiores do que esta. Sempre que posso, tento “ressuscitar” esses escritores, na vã esperança de que alguém, algum dia, em algum lugar, dentro de uns cinqüenta anos, por exemplo, faça o mesmo comigo. Quem sabe?!

Uma das maiores decepções que tive, em tempos recentes, foi encontrar meu livro “Por uma nova utopia” em um sebo que visitei. Levei um choque! E eu que achava que aquilo que escrevi havia agradado os leitores! Afinal, esgotaram-se seis edições, o que, no Brasil, não deixa de ser uma façanha.

Fico me perguntando: quem não gostou do livro, a ponto de se desfazer tão rapidamente dele? O que o desagradou? Foram os temas de que tratei? Foi o estilo? Foram minhas conclusões? Sei lá! O fato é que o livro que escrevi com tanto empenho e paixão, com tanta garra e tanta esperança, estava lá, naquele sebo, vendido a preço irrisório, como sucata, papel velho ou sei lá o quê.

Claro que continuo esperançoso de vir a me constituir em exceção à regra. Claro que continuo me empenhando cada vez mais, lendo, estudando e escrevendo, escrevendo e escrevendo, incansável e compulsivamente, sonhando que meus textos me sobrevivam para sempre e atestem a meu favor junto à posteridade.

Sem nenhum laivo de pessimismo, porém, sei que as chances são pequenas, ínfimas, remotíssimas de que isso venha a ocorrer. Tanta gente melhor do que eu não conseguiu. Busco, porém, reunir qualidade à quantidade, para que, daqui a alguns anos, pelo menos uma simples e reles crônica das milhares que escrevi sobreviva ao tempo e ao esquecimento e ateste que existi, amei, odiei, sofri, fui feliz e, sobretudo, vivi.

Minha obra é como aquelas mensagens que as pessoas escrevem, colocam em uma garrafa e lançam ao mar. A probabilidade é que ela nunca chegue às mãos de ninguém, dada a vastidão do oceano. Mas há sempre remotíssima chance de que um dia alguém, em algum tempo, em algum lugar, provavelmente a milhares de quilômetros do local em que a tal garrafa foi jogada nas ondas, a encontre.

Morris West escreve o seguinte, a respeito, no romance “O Advogado do Diabo”: “A obra morre. Quantos homens Cristo curou? E quantos deles estão vivos hoje? A obra é uma expressão daquilo que um homem é, do que sente, daquilo em que acredita. Se dura, se se desenvolve, não é devido ao homem que a começou, mas porque outros homens pensam, sentem e crêem da mesma maneira”.

É esta a minha esperança. Esta é a confiança que teima em se manter presente, espicaçando-me a escrever, escrever, escrever e escrever, prolífica e compulsoriamente. Por isso é que tento entender as pessoas e estabelecer absoluta empatia com elas. Se vou conseguir fazer a mensagem na garrafa chegar às mãos da posteridade... jamais saberei! Seguirei tentando!





Jornalista, radicado em Campinas, mas nascido em Horizontina, Rio Grande do Sul. Tem carreira iniciada no rádio, em Santo André, no ABC paulista. Escritor, com dois livros publicados e detentor da cadeira de número 14 da Academia Campinense de Letras. Foi agraciado, pela sua obra jornalística, com o título de Cidadão Campineiro, em 1993. É um dos jornalistas mais veteranos ainda em atividade em Campinas. Atualmente faz trabalhos como freelancer, é cronista do PlanetaNews.com e mantém o blog pedrobondaczuk.blogspot.com. Pontepretano de coração e autêntico "rato de biblioteca". Recebeu, em julho de 2006, a Medalha Carlos Gomes, da Câmara Municipal de Campinas, por sua contribuição às artes e à cultura da cidade.

O conteúdo veiculado nas colunas é de responsabilidade de seus autores.