Adivinhação do futuro

A previsão do futuro – do que ainda sequer aconteceu –, é, basicamente, um exercício de adivinhação. É como lançar um dado e afirmar antes que sairá um número seis. Pode acontecer ou não. As probabilidades de acerto não são lá tão altas. Algumas pessoas, todavia, têm a rara capacidade de, juntando os fatos já acontecidos, e raciocinando com lógica, fazer extrapolações sobre o que “provavelmente” (mas não “certamente”) acontecerá, num processo baseado no binômio “causa e conseqüência”.

Claro que, dada a imponderabilidade dos acontecimentos, a margem de acerto não é elevada. Diria, até, que é baixíssima, ínfima, irrisória. Afinal, é preciso levar em conta o tal do acaso que, pela própria definição, é absolutamente imprevisível, o que atrapalha (embora não anule) toda e qualquer previsão.

“E os profetas?”, perguntarão alguns. Existiram, ou não passaram de charlatães, de meros exploradores da fé alheia? Estes eram (e são, pois ainda existem), na verdade, pessoas dotadas de um de senso de observação incomum, com capacidade extraordinária para fazer extrapolações. Ou seja, desenvolveram o raciocínio lógico que os habilitou a esse exercício divinatório.

Suas previsões, porém, se atentarmos bem, são as mais lógicas possíveis. Levam sempre em conta determinadas situações e comportamentos prévios àquilo que se arriscam a prever. Ademais, caso tivéssemos condições de, realmente, conhecer antecipadamente o futuro (o que minha mente, empedernidamente cartesiana, se recusa a aceitar), com cem por cento de acerto, isso sequer seria um prodígio tão grande como pode parecer.

Não, principalmente, se levarmos em conta a capacidade da nossa memória de reter fatos ocorridos não raro milênios antes do nosso nascimento, dos quais tomamos conhecimento ou por ouvir dizer, ou através da leitura. O tempo envolvido, desse remotíssimo ontem, é, convenhamos, muito maior do que o do vizinho amanhã, o que exige maior esforço do cérebro, certamente.

Jorge Luiz Borges tratou desse tema, no livro “O informe de Brodie”, e escreveu a respeito: “Filosoficamente, a memória não é menos prodigiosa que a adivinhação do futuro; o dia de amanhã está mais perto de nós que a travessia do Mar Vermelho pelos hebreus que, pelo menos, no entanto, recordamos”.

Houve um tempo, e não faz muito, em que em todo o final de ano, alguns programas de televisão apresentavam supostos adivinhos (cartomantes, jogadores de tarô, astrólogos, pais-de-santo, numerólogos e quejandos), que expunham, com ares de sapiência, suas previsões para o ano seguinte. Diziam, solenemente, um monte de lugares-comuns, faziam uma sucessão de extrapolações absolutamente lógicas, com pose de quem tem canal aberto permanente com o “além”. “Rematados estróinas” (como diria meu avô) é que esses malandros são!

Ademais, mesmo fazendo previsões que qualquer pessoa poderia fazer, ainda assim, se conferidos posteriormente, seus augúrios tinham baixíssima margem de acerto. Afirmar, por exemplo, que uma personalidade mundial qualquer vai morrer, não é adivinhar coisa alguma. As probabilidades de que isso ocorra são altíssimas, ainda mais quando esses charlatães não identificam a quem se referem. Prever oscilações na bolsa de valores ou outra dificuldade qualquer na área econômica é o que Nelson Rodrigues chamaria de óbvio ululante. Qualquer imbecil pode afirmar isso, sem receio algum de descontentar os crédulos basbaques.

De uns tempos para cá, esse tipo de “adivinhação” perdeu um pouco de popularidade, mas não completamente. Basta ir a qualquer das milhares de bancas de jornais do País, no início de cada ano, para encontrar dezenas e dezenas de revistas especializadas em matérias dessa natureza. E devem vender bastante, caso contrário... Desconfio que isso ocorra em quase todo o mundo.

Notável, todavia, foi o poder divinatório do povo maia. Seu calendário, de exatidão inigualável até hoje, é complementado por extrapolações, que muitos interpretam como “previsões” ou “profecias”, com margem de acerto impressionante. A serem verdadeiras, convém que nos acautelemos em relação, especificamente, a 2012, que está praticamente às portas.

Os maias previram (e isso há mais de um milênio), que um acontecimento marcante, que ocorreria nesse ano, iria mudar por completo os rumos da humanidade e para sempre. E qual seria essa ocorrência? Não especificaram. E nem disseram se seria algum fenômeno cósmico, que afetaria a Terra, ou se se trataria de algo provocado pela ganância e pela burrice humanas (que, convenhamos, são atemporais), o que, no meu entender, é mais provável. E nem revelaram se essa mudança seria para melhor ou pior (temo que prevaleça a segunda hipótese).

E você, meu paciente leitor, o que acha de tudo isso? Acredita em profecia? Crê na possibilidade de pessoas com talentos incomuns preverem com exatidão o que ainda não aconteceu, protagonizado por quem sequer ainda nasceu? Da minha parte... ai, ai, ai, confesso-me um cético empedernido e contumaz a esse propósito.

Quanto ao conhecimento do passado (isso sim, para mim, um prodígio), foi a invenção da escrita que deu ao homem essa possibilidade: a de registrar o que de mais importante se pensou e se fez em tempos remotíssimos, posto que não com rigor, digamos, jornalístico, porquanto “poluído” pela fantasia de quem leu esses relatos e os passou adiante. Afinal, como diz o povo, “quem conta um conto...” Para mim, como para Borges, todavia, isso é mais, muito mais prodigioso do que uma eventual possibilidade de previsão do futuro. E para você?





Jornalista, radicado em Campinas, mas nascido em Horizontina, Rio Grande do Sul. Tem carreira iniciada no rádio, em Santo André, no ABC paulista. Escritor, com dois livros publicados e detentor da cadeira de número 14 da Academia Campinense de Letras. Foi agraciado, pela sua obra jornalística, com o título de Cidadão Campineiro, em 1993. É um dos jornalistas mais veteranos ainda em atividade em Campinas. Atualmente faz trabalhos como freelancer, é cronista do PlanetaNews.com e mantém o blog pedrobondaczuk.blogspot.com. Pontepretano de coração e autêntico "rato de biblioteca". Recebeu, em julho de 2006, a Medalha Carlos Gomes, da Câmara Municipal de Campinas, por sua contribuição às artes e à cultura da cidade.

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