Como nasce uma história

Caros leitores, boa tarde. Apesar de já ter muitos anos de “janela”, nesta desafiadora e fascinante atividade literária, confesso que continuo intrigado com a forma como nasce a maioria das histórias. Às vezes estamos em um lugar qualquer, na rua, na sala de espera de um consultório, no trânsito, na redação do jornal, ou seja onde for, e subitamente surge, do nada, como que num lampejo, idéia para um romance, ou conto ou novela.

Claro que não vem pronta. É apenas a ponta de um novelo, que precisaremos desfiar paciente e meticulosamente. Ou seja, teremos que desenvolvê-la e dar-lhe forma e vida, aplicando talento, imaginação.

o e esforço, muito esforço. Alguns chamam isso de inspiração. Vá lá, que seja!

Às vezes estamos lendo um jornal ou revista, ou acompanhando o noticiário de televisão e, no meio de tantos casos da tragicomédia do cotidiano, surge um, específico, que dizemos, para nós mesmos: “está aí, isso dá uma bela história!”. E dá mesmo.

Houve tempo em que eu achava que isso ocorria apenas comigo. Contudo, em conversas com vários amigos escritores, ou em trocas de correspondências, cheguei à conclusão que esses “lampejos” acontecem com quase todos eles, se não com todos.

Claro que a idéia original é apenas uma espécie de “semente”, pequenininha e incompleta. Colocada no papel, mal dá para preencher quatro ou cinco linhas, quanto mais para compor um romance. Depois de desenvolvida, porém, aquele lampejo original está lá, inteirinho, “esticado”, evidentemente, mas jamais descaracterizado.

Já tive idéias para histórias que se originaram, por exemplo, de sonhos, aqueles que temos antes de despertar e que permanecem na lembrança (a imensa maioria deles nós não lembramos jamais). E embora eu seja suspeito (diria, suspeitíssimo) para avaliar minha própria produção, a mim me parece que os enredos surgidos dessa maneira foram os melhores que desenvolvi. Meus contos mais badalados surgiram dessa forma.

Por isso, tenho uma grande quantidade de bloquinhos, do tamanho de um maço de cigarros (que uma gráfica aqui da cidade me fornece, generosamente, de graça, feitos com aparas de papel) espalhados por todo o canto: no quarto junto ao criado-mudo, na sala de visitas junto à TV, na gaveta da minha ilha de edição na redação e até no banheiro de casa, sem contar, claro, os que carrego no bolso da camisa para onde quer que vá. Não deixo escapar um único desses lampejos e tenho me dado bem com isso.

Claro que meus amigos escritores não chegam a esse exagero. Provavelmente, não são tão compulsivos, como sou. Tenho consciência que sou mesmo exagerado. Vivo, como e respiro literatura, do amanhecer ao anoitecer. Querem me ver de mau-humor? Basta impedirem-me um único dia de escrever. Aí, torno-me insuportável até para mim mesmo.

Alguns dos meus amigos, quando têm esses “lampejos”, em vez de anotá-los, correm logo para o computador. Quando entendem que a história ditada pela “inspiração” (vá lá, chamemo-la assim, embora eu não goste dessa designação) fica melhor num conto, “despejam-no”, de uma só vez, na telinha. Em caso se der apropriada a um romance, aí sim anotam e iniciam o demorado projeto (como o de um edifício), que tempos depois redundará (quem sabe) num best-seller.

Tenho, todavia, amigos compulsivos também (afinal, como já diziam os romanos, “simile símila”, ou seja, “semelhante procura semelhante”). Um deles, escreveu um romance inteiro, do princípio ao fim, em apenas dois dias! Claro que, depois disso, despendeu uns três meses na indispensável revisão (afinal, o cara é bom, mas não é gênio).

Tenho certeza que muitos de vocês, leitores, se identificarão com o tema de hoje. Outros, porém, talvez digam, num muxoxo: “bobagem! O Pedrão está viajando na maionese!”. Mas não estou. Se eu fosse o único a me valer desses “lampejos”, até poderiam dizer isso de mim. Como não sou..

Até admito que minha compulsão pareça estranha, estranhíssima a quem seja, digamos, “normal”. Mas, afinal, o que é normalidade e o que é exótico?





Jornalista, radicado em Campinas, mas nascido em Horizontina, Rio Grande do Sul. Tem carreira iniciada no rádio, em Santo André, no ABC paulista. Escritor, com dois livros publicados e detentor da cadeira de número 14 da Academia Campinense de Letras. Foi agraciado, pela sua obra jornalística, com o título de Cidadão Campineiro, em 1993. É um dos jornalistas mais veteranos ainda em atividade em Campinas. Atualmente faz trabalhos como freelancer, é cronista do PlanetaNews.com e mantém o blog pedrobondaczuk.blogspot.com. Pontepretano de coração e autêntico "rato de biblioteca". Recebeu, em julho de 2006, a Medalha Carlos Gomes, da Câmara Municipal de Campinas, por sua contribuição às artes e à cultura da cidade.

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