Emoções intraduzíveis

Os povos têm maneiras peculiares de descrever sentimentos, de acordo com seus costumes e tradições. Há palavras, em determinados idiomas, que caracterizam certas emoções que, embora todo o ser humano sinta, não têm termos correspondentes em outras línguas. Até mesmo na própria, diga-se de passagem, algumas dessas definições soam ambíguas e capengas. Querem um exemplo característico disso? Tome-se a expressão “saudade”. Não tem correspondente exato em nenhuma das línguas faladas no mundo, embora não haja ser humano algum que não a sinta. O próprio sentido que os dicionaristas de língua portuguesa lhe dão deixa-nos a sensação de que “é aquilo”, mas não é bem aquilo. Falta alguma coisa, que não sabemos o que é, mas temos certeza de faltar.

Por exemplo, o dicionário Michaelis define saudade da seguinte forma: 1. Recordação nostálgica e suave de pessoas ou coisas distantes, ou de coisas passadas. 2. Nostalgia. A definição pode ser (e é) até exata. Mas... É preciso sentir saudade para entender o que é e ter convicção de não se tratar “apenas” de nostalgia. Expressá-la? Não é tão simples assim. Traduzi-la? É muito pior. Não conheço, nas línguas estrangeiras em que consigo ler (inglês, francês, espanhol e italiano) nenhuma palavra que lhe corresponda exatamente.

Os tradutores garantem que não há. Trata-se de uma sensação gozada, que causa, simultaneamente, tristeza e satisfação. Tem a ver sempre com recordação. Não dá para se ter saudade, óbvio, do que não se lembra. Ela está, pois, umbilicalmente ligada às lembranças. Portanto, tem tudo a ver com o passado. Ninguém sente saudade do que está vivendo e muito menos do que não aconteceu, ou seja, do futuro, não é mesmo? Como se vê, o campo para o entendimento dessa expressão está perfeitamente delimitado e definido. E ainda assim... A definição constante no dicionário não convence. Falta alguma coisa, que a gente sente, mas não sabe exatamente o que é.

Pitorescamente, eu que sou irremediável xereta da alma, que vivo metendo o nariz nas emoções e sentimentos alheios para entendê-los e descrevê-los, nunca antes abordei (não, pelo menos, em prosa e com alguma objetividade, embora nem tanta) esse tema. Só agora atento que há muita coisa que se pode dizer a respeito. Posso afirmar, por exemplo, sem nenhum risco de engano, que a saudade não é nenhuma manifestação masoquista, embora nos faça sofrer.

Ninguém, está claro, aprecia nenhum tipo de sofrimento, seja de que natureza for. Os psicológicos e os afetivos tendem a ser tão ruins quanto os físicos. Fazemos de tudo para nos livrar do que nos machuca, oprime e aborrece. Claro, caso sejamos pessoas normais. Se formos masoquistas... Bem, aí as coisas mudam. Mas esse fascínio pelo sofrimento, obviamente, extrapola a normalidade, por se tratar de uma tara (até razoavelmente comum).

Por isso, a saudade, embora quase sempre nos abale, se constitui em exceção. Embora nos faça, de um certo, modo sofrer (pela frustração de não mais podermos passar por aquilo que nos deixa saudosos ou conviver com as pessoas que no-la despertam) é sempre bem-vinda! Senti-la é a maior homenagem que podemos prestar a alguém. Significa que quem no-la despertou foi muito especial. Encantou-nos, marcou nossa vida e proporcionou momentos de intensa emoção e felicidade.

Ninguém se recorda saudoso de alguém que o tenha ferido, humilhado ou espezinhado Mesmo que tenha amado ao ponto da reverência e adoração essa pessoa. Pablo Neruda escreveu estes versos magistrais sobre esse sentimento, no poema “Saudade” (expressão que emprestou do português e que abordou tão bem): “...Saudade é solidão acompanhada,/é quando o amor não foi embora,/mas a amada já.../Saudade é amar um passado que ainda não passou,/é recusar um presente que nos machuca,/é não ver o futuro que nos convida...” Que grande verdade, expressada com talento, beleza e charme!

Nossas saudades são livres e velozes. Não se limitam nunca nem pelo tempo e nem pelo espaço. Subitamente, trazem-nos à mente, mediante a recordação, pessoas que muito amamos e das quais nos separamos por algum motivo ou, pior, que já morreram e que, por essa razão, certamente não veremos jamais. Levam-nos, em suas velozes asas, de volta a períodos e lugares em que fomos felizes e que deixaram marcas indeléveis em nossos corações e mentes. E esses seres especiais, locais marcantes e episódios felizes tanto podem ser bastante remotos – da nossa infância, por exemplo – como recentes, de poucas horas atrás.

Às vezes nos deixam nostálgicos, outras, nos servem de consolo. Da minha parte, busco não sofrer com saudades (o que nem sempre consigo. A falta que meu pai, falecido há três anos, me faz é irreparável. Mas as lembranças que tenho dele são benignas, agradáveis e doces).

Agradeço, isto sim, a Deus, pelo privilégio de ter conhecido aquelas pessoas que me marcaram tanto, ou de haver vívido aqueles momentos jubilosos e ímpares, que me enriqueceram com essa riqueza infungível, indestrutível e imperdível, que é a experiência. Charles Baudelaire tem um verso enfático a respeito, com o qual encerro estas reflexões, em que diz: “Aos olhos da saudade, como o mundo é pequeno!”. Eu diria:: como é ínfimo!!!





Jornalista, radicado em Campinas, mas nascido em Horizontina, Rio Grande do Sul. Tem carreira iniciada no rádio, em Santo André, no ABC paulista. Escritor, com dois livros publicados e detentor da cadeira de número 14 da Academia Campinense de Letras. Foi agraciado, pela sua obra jornalística, com o título de Cidadão Campineiro, em 1993. É um dos jornalistas mais veteranos ainda em atividade em Campinas. Atualmente faz trabalhos como freelancer, é cronista do PlanetaNews.com e mantém o blog pedrobondaczuk.blogspot.com. Pontepretano de coração e autêntico "rato de biblioteca". Recebeu, em julho de 2006, a Medalha Carlos Gomes, da Câmara Municipal de Campinas, por sua contribuição às artes e à cultura da cidade.

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