Mas é preciso sonhar

A vida consiste em ação. Certo? Até certo ponto, sim. As coisas, todavia, não são tão simples e diretas, e nem poderiam ser, por envolverem uma “entidade” tão complexa e contraditória como é este animal que pensa, que chora, que ri, que tem consciência de quem é e onde está e que dispõe de livre arbítrio, para acertar e... errar. Antes de agir, convém que se possa sonhar. Mas que o sonho não se limite a fantasiar situações ideais. É preciso que seja o passo anterior, preliminar e indefectível para se agir.

É infinita a nossa capacidade de sonhar. Alguns, é verdade, sonham em excesso. Outros, não sabem temperar as asperezas da vida com o conforto de um sonho. Todas as obras preciosas, as que nos sobrevivem e que realmente valem a pena, nascem, em geral, dessa idealização, quase sempre aparentemente impossível. Algumas, de fato, são. Outras, por menos que acreditemos, são perfeitamente factíveis. Contudo, nunca saberemos se não tentarmos tornar esse abstrato em concreto.

Para que algum de nossos sonhos se concretize e deixe o mero terreno da fantasia, é indispensável que venhamos a agir. Mas não louca,e cega e selvagemente, como se o simples movimento, sem rumo, objetivo ou coordenação, fosse suficiente. Essa ação tem que ser minimamente competente e, sobretudo, persistente e não intermitente.

O sucesso na carreira que escolhermos, a conquista da mulher amada, a produção de um poema que há muito queríamos compor mas não encontrávamos a expressão adequada, a sinfonia ou pintura que estavam há anos na nossa cabeça à espera de expressão ou, mais genericamente, a obtenção e manutenção da felicidade, são desafios constantes que a vida nos impõe, que podem ou não se concretizar. Para serem bem-sucedidas, dependem da qualidade e da intensidade das nossas ações.

Fernando Pessoa exclamou, em um de seus tantos poemas: “Tenho em mim todos os sonhos do mundo!”. A rigor, todos os temos, pois eles é que são os motores que movem as pessoas criativas e ousadas rumo ao sucesso e ao progresso. Sonhar, aliás, não implica em nenhuma capacidade especial de ninguém ou sequer qualquer tipo de esforço. Basta que nos deitemos, à noite, para que o cérebro projete inúmeros sonhos na mente. Esquecemos, é verdade, quase todos, tão logo venhamos a despertar.

Dizem os especialistas que os animais irracionais também sonham (sei lá como chegaram a essa conclusão, enfim...). Há, porém, um tipo de sonho muito especial (que temos quando estamos bem acordados) que são os objetivos e desejos que nutrimos. São as estes que me refiro. Mas estes requerem esforço, muito esforço, preparo e dedicação, para que se transformem em realidade. Poucos se dispõem a lutar, de fato, por eles, esperando (em vão) que se materializem por si sós. Sem ação, não se materializarão, certamente. E mesmo agindo, não há nenhuma garantia de materialização.

O verdadeiro sonhador, o idealista, o que tem obsessão por justiça, igualdade, paz e harmonia, não é, pois, o que se limita a sonhar, sem nada fazer para concretizar esses sonhos. É o que dedica a vida à construção desse ideal. E se fracassar? Não, ele nunca fracassa! Seu empenho resulta, invariavelmente, em algum tipo de progresso, mesmo que imperceptível. E essa tocha sagrada que conduz será empunhada por outro sonhador, que a passará a outro e outro e outro e assim sucessivamente, promovendo contínua evolução dos povos.

Aliás, quem se limita a sonhar, sem nada fazer, é omisso. Espera que outros executem a tarefa que lhe compete. A poetisa Fabiana Bórgia define, com precisão, o perfil do verdadeiro sonhador, nestes versos do poema “Pedaços juntados”: “O sonhador/tem a alma no céu/e os pés no chão”. É esse o tipo de pessoa de que a humanidade precisa para evoluir. Com a alma no céu, mas com os pés bem fincados no solo da realidade.

Por mais que nos empenhemos, jamais conseguiremos atingir, integralmente, todos os objetivos a que nos propusermos, mesmo que factíveis. Dependemos das oportunidades e de circunstâncias que fogem por completo ao nosso controle. Isso não deve, porém, nos desanimar ou frustrar. Devemos aspirar, sempre, o impossível, o máximo, o perfeito e o absoluto e nos empenhar, com todas as forças, para alcançar esse objetivo. E, em vez de frustração, por não termos conseguido o sucesso que aspiramos, o mais inteligente e sensato é comemorarmos, com alegria e gratidão, a conquista do possível.

Sonhar alto e lutar pela concretização dos sonhos é sempre compensador. Equivocam-se os que nutrem sentimentos de frustração e de amargura face a eventuais fracassos. Quem tenta nunca fracassa. Só o omisso, o covarde e o descrente são verdadeiros fracassados. A quem tenta, por exemplo, sempre restará alguma experiência positiva, alguma melhoria, mesmo que apenas espiritual, dessa tentativa.

É assim que se constroem vidas exemplares. Às vezes, das cinzas de um sonho não-realizado nasce uma árvore frondosa de outros, muito maiores, que se concretizam. Por isso, concordo com o poeta português, Miguel Torga, quando observa: “O que é bonito neste mundo, e anima, é ver que na vindima de cada sonho fica a cepa a sonhar outra aventura. E que a doçura que não se prova se transfigura noutra doçura muito mais pura e muito mais nova”.

Pessoalmente, tenho a convicção de que somente estou progredindo não quando estou ganhando bastante dinheiro, multiplicando os meus bens e subindo na escala social. Evoluo quando melhoro minha capacidade de entender o que vejo, ouço ou leio (inteligência). Quando desenvolvo a minha criatividade e produzo melhor. Quando aperfeiçôo meus relacionamentos com as pessoas e torno-me cada vez mais apto a servir sem nada querer em troca. A riqueza, o prestígio e a fama não devem ser (e não são) desprezados, claro. Mas são meras conseqüências dessa evolução íntima, mental e espiritual. E, no entanto, também têm um preço... Tudo tem.





Jornalista, radicado em Campinas, mas nascido em Horizontina, Rio Grande do Sul. Tem carreira iniciada no rádio, em Santo André, no ABC paulista. Escritor, com dois livros publicados e detentor da cadeira de número 14 da Academia Campinense de Letras. Foi agraciado, pela sua obra jornalística, com o título de Cidadão Campineiro, em 1993. É um dos jornalistas mais veteranos ainda em atividade em Campinas. Atualmente faz trabalhos como freelancer, é cronista do PlanetaNews.com e mantém o blog pedrobondaczuk.blogspot.com. Pontepretano de coração e autêntico "rato de biblioteca". Recebeu, em julho de 2006, a Medalha Carlos Gomes, da Câmara Municipal de Campinas, por sua contribuição às artes e à cultura da cidade.

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