Por que algumas palestras desencantam?

A notícia correu solta: Lula cobra US$ 500 mil para fazer palestra de cerca de uma hora. A informação foi surpreendente pela cifra. Meio milhão de dólares é dinheiro para ninguém botar defeito. Se fizermos uma conta rápida, tomando a taxa do dólar a 1,60 dá por volta de R$ 800 mil. Lulalá!

Considerando que o salário da presidente hoje é de R$ 26.700,00, noves fora nada, Lula teria de ficar no Palácio da Alvorada uns dois anos e meio para faturar o que vai levar nessa horinha de conversa. Isso mesmo, 30 meses aguentando conversa de político para faturar a mesma quantia.

A pergunta que não quer calar: vale? Bem, tenho como filosofia de negócios que se alguém paga o preço pedido é porque vale. É tudo questão de custo/benefício, matemática superior do primeiro ano primário –se o que estou investindo vai me proporcionar um ganho maior, vale.

Aí é que entra o desencanto com algumas palestras. Em alguns casos, o que foi investido no palestrante não proporciona à empresa o benefício esperado. E não se trata de a palestra ser cara ou barata, mas sim questão exclusiva de saber se o benefício superou o investimento.

Deve ser duro para um profissional de RH (geralmente quem contrata a palestra) passar uma semana tentando justificar por que parou o trabalho de centenas de funcionários para ouvir baboseiras. Por isso, a contratação de palestrantes exige uma série de cuidados.

O que significa fazer uma boa palestra? Se o palestrante se apresentar sem conteúdo, só na base das historinhas, recorrendo a piadas e citações, o público vai rir, e, no final se entusiasmar e até aplaudir de pé. Há casos, e não são poucos, em que a plateia chora e aplaude comovida.

Entretanto, depois que saem dessa espécie de transe e caem em si há um sentimento de frustração quase generalizado. Os ouvintes têm uma sensação de vazio, ficam com aquele sentimento de que o momento foi prazeroso, mas que aquela pirotecnia não vai ter nenhuma utilidade.

A conscientização passa a ser maior quando voltam aos locais de trabalho e se dão conta de que continuam na mesma trilha de sempre, sem que possam aplicar um único conceito sequer. A situação fica ainda mais grave quando tentam explicar o conteúdo da palestra a um colega de trabalho.

— E aí, o que o cara ensinou na palestra de hoje?
— Muita coisa, ele explicou que uma longa jornada se inicia com o primeiro passo.
— É?
— Insistiu para não desistirmos nunca, mesmo quando a situação parece irreversível.
— Sei.
— Disse ainda que devemos dar uma mãozinha aos colegas de trabalho.
— Mesmo? Esse palestrante é mesmo um gênio! Puxa, se ele não tivesse vindo à empresa para transmitir esses conceitos tão elevados não sei como iríamos superar nossos problemas. Ele não falou também que Deus fez o homem com uma boca e duas orelhas, que é para ele ouvir mais e falar menos?

Agora ficou claro, o jeito é contratar palestrante que se preocupa só em transmitir conteúdo, pois assim a empresa e o público ficarão satisfeitos com o resultado. Afinal, pagaram uma grana, mas os funcionários irão assistir a uma palestra que transmite informações para torná-los melhores e mais eficientes. Certo? Errado.

Esse é um equívoco. Se a exposição tiver como única finalidade o conteúdo, supondo ser essa a solução para que a contratação seja bem-sucedida, outro erro poderá ser cometido. Não se deve confundir palestra com aula. Uma aula tem por finalidade ensinar determinada matéria que precisa ser aprendida e, por isso, exige concentração total dos alunos.

A palestra é diferente, pois embora também possa ter o objetivo de ensinar, geralmente, é proferida diante de um público que não tem obrigação de aprender e que por isso se dispersa com facilidade, por não conseguir se concentrar em muitos detalhes técnicos. Querem receber as informações de maneira mais suave, para uma reflexão, sem ter de fazer muito esforço.

Por isso a palestra deve guardar equilíbrio entre o espetáculo e o conteúdo, pois um recurso depende do outro para que a apresentação propicie resultados positivos. Uma boa palestra, de maneira geral, deve ser planejada em diversos blocos distintos, que guardem relação, mas onde um não dependa necessariamente do anterior para ser compreendido.

O palestrante transmite um conjunto de informações, conta uma história cativante ou uma anedota para ilustrar e arejar a exposição, usa um visual para ajudar os ouvintes a apreender a matéria, promete um conceito novo que irá surpreender ou beneficiar a todos, passa a régua, fecha a conta e parte para o novo bloco.

Dessa forma, cumpre as etapas da apresentação entretendo a plateia e transmitindo conteúdo. O bom palestrante também precisa ter o cuidado de organizar a apresentação com apoio de um fio condutor que mostre a ligação desde o primeiro até o último bloco, pois esse recurso dará movimento à exposição, mostrando como o tema está evoluindo em cada um dos segmentos.

Outra função desse fio condutor é a de fazer com que as diversas etapas atuem de forma interdependente e inter-relacionada. No final, bastará que faça uma recapitulação das principais informações de cada bloco para mostrar como todas participaram da composição da mesma mensagem.

Esse é o segredo. Palestras que usem o show para tornar o conteúdo ainda mais atraente. O palestrante que tiver essa competência fará com que o evento seja bem aproveitado. Permitirá que a empresa tenha um benefício bem acima do que investiu na contratação do profissional.

Outro ponto que influencia a contratação do palestrante é a fama. As empresas procuram profissionais que além de saber falar e de ter ótimo conteúdo sejam uma atração para o evento. Normalmente os palestrantes são contratados também porque são famosos.
Imagino que Lula não tenha sido contratado apenas por saber falar e pelo conteúdo que transmite em suas palestras. Seu carisma, sua fama, sua projeção internacional com certeza foram considerados na negociação. Se o custo/benefício foi positivo ou não caberá a empresa concluir.

Finalmente. Para saber se uma palestra foi boa e valeu a pena ser contratada basta esperar pelos próximos eventos. Se o palestrante for consultado para retornar à empresa, está aprovado. Se ninguém mais se lembrar dele, por mais que tenha sido aplaudido, provavelmente, o custo foi maior que o benefício.

SUPERDICAS DA SEMANA

- Faça palestra equilibrando show e conteúdo
- Use a quantidade de espetáculo na medida certa para tornar o conteúdo atraente
- Intercale histórias, piadas e visuais entre um bloco e outro para arejar a palestra
- Assista a palestras dos bons palestrantes e observe as técnicas de cada um
- Não imite palestrantes nem copie suas palestras. Isso é pirataria rasteira





Reinaldo Polito é Mestre em Ciências da Comunicação, Palestrante, Professor de Expressão Verbal e Escritor. Escreveu 15 livros com mais de um milhão de exemplares vendidos. Seu site www.polito.com.br

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