A força do acaso

O acaso pode, em um reles segundo, alterar a nossa vida para sempre, para melhor ou para pior, sem que possamos fazer coisa alguma para ajudá-lo, no primeiro caso, ou evitá-lo no segundo. É o imprevisível, o fortuito, o ocasional. Caso pudesse ser previsto ou prevenido, perderia sua característica. Não seria “acaso”. É como se estivéssemos jogando, continuamente, uma roleta-russa, sem que sequer soubéssemos disso. Muitos negam não apenas seu poder, mas sua existência.

Quem nunca ouviu dizer que “nada no mundo acontece por acaso”?. Engano de quem pensa assim. Não chegaria a tal exagero, mas poderia substituir, pelo menos em parte considerável do que nos ocorre, o tal do “nada”, por seu antônimo, ou seja, o inclusivo “tudo”.

Há ocorrências que não são casuais, frutos de cuidadoso planejamento, que redunda no resultado pretendido e por isso esperado. É quando o acaso deixa de se manifestar. Ou melhor, pode deixar, como também pode não deixar. Até nessas circunstâncias, como se observa, temos que torcer para que ele não se manifeste e não venha a arruinar e anular todos os bem urdidos planos que fizermos.

Querem um exemplo da manifestação do acaso? Lá vai um, bastante simples, posto que plausível. Você está fazendo a sua costumeira caminhada matinal, em uma trilha por onde passa sempre, todos os dias, na qual jamais topou com qualquer obstáculo, como pedra ou buraco. A probabilidade é que nesse dia também não tope. Porém... quando menos você espera, zás!!! o acidente acontece. Você pisa em um buraco que não havia antes nesse local ou que, se havia, você passou centenas de vezes por ele, sem que o tivesse notado e, portanto, sem que nada lhe ocorresse. Mas... nesse dia...

O acaso não está só nisso. Você pode pisar, por exemplo, no buraco, e não lhe acontecer nada. Ou se acontecer, ter, apenas, leve torção, que doa só na hora e logo passe. Mas pode, igualmente, sofrer lesão grave, gravíssima, até mesmo ruptura de ligamento, que o deixe de molho por uma boa temporada e, às vezes, para sempre. Isto estava planejado? Era possível de ser previsto e, portanto, evitado? Não, não e não! Claro que não. Então não venham com esta de que “nada acontece por acaso”.

Querem outro exemplo? Você mora em uma cidade pacata, sem violência, que sequer tem cadeia pública, pois nunca acontece algum crime por lá. Todavia, em determinada noite, ao retornar para casa, um bandido o rende, bem em frente ao seu portão, com uma arma na cabeça e exige que você lhe passe tudo o que tem de valor.

Você reluta, faz um gesto inesperado ditado pelo nervosismo da situação, que sequer é de agressão, mas que o malfeitor não o interpreta assim. Nervoso, com o dedo no gatilho, ele dispara e... lhe suprime a vida. Fica-se sabendo, depois, que o assassino sequer tinha planos de passar por essa cidade. Com fome, todavia, resolveu parar em um bar, E decidiu que, já que estava ali, faria um assalto para arranjar alguma graninha. E entre as tantas casas da sua rua, decidiu assaltar o morador justamente da sua, ou seja, você. Foi o acaso, novamente, produzindo um acontecimento trágico.

Há muitos e muitos e muitos exemplos que poderiam ser citados a respeito. E não somente pelo lado ruim. São várias as histórias que conheço de pessoas que se cruzaram por absoluta casualidade. Poderiam ter somente se visto, se cumprimentado, ou se ofendido conforme o caso, e ter seguido suas vidas. Todavia... por uma série de coincidências, aprofundam relacionamentos e findam por se casar. Histórias desse tipo ouço a todo o momento. Certamente, você também, paciente leitor.

“Ah, mas era o destino dos dois se encontrarem e se apaixonarem”, dirão os crédulos. Parem com isso! Que destino coisa nenhuma! Somos todos dotados de livre-arbítrio e não tem ninguém superior controlando nossos passos, atos, pensamentos, desejos etc.etc.etc. A não ser, claro, essa circunstância cega, casual e não raro perversa, conhecida como “acaso”.

Temo essas casualidades. Já passei por ocorrências horríveis, em que não tive culpa alguma, não fiz nada de errado para que acontecessem, mas que aconteceram. E que mudaram meu rumo, atrasaram ou arruinaram projetos e causaram muita dor e muito sofrimento. Fico me perguntando: por que? Óbvio que não há resposta. Se houvesse, entendam, deixaria de ser acaso.

Qual a probabilidade de, ao você lançar um dado que não seja viciado, digamos cinco vezes, conseguir o número seis em todas elas? Baixa, não é mesmo? Baixíssima! Quase beirando a zero. E, no entanto, em determinado dia, sem essa ou mais aquela, sem estratégia específica e principalmente sem explicação, você consegue essa façanha.

É provável que você tente, e tente e tente isso novamente e pelo resto da sua vida nunca consiga. Mas é possível (embora a possibilidade seja ínfima, ou infimíssima ou um superlativo qualquer até muito mais intenso) e logre obter de novo, duas vezes seguidas, o número seis em cinco jogadas. Não há, claro, nenhuma lógica. E se houvesse, insisto, deixaria de ser acaso. Está aí um tema fascinante que você, escritor dos mais criativos, pode explorar em seus textos. Só que, se o fizer, não será mais por acaso. Será por minha sugestão. Enfim...





Jornalista, radicado em Campinas, mas nascido em Horizontina, Rio Grande do Sul. Tem carreira iniciada no rádio, em Santo André, no ABC paulista. Escritor, com dois livros publicados e detentor da cadeira de número 14 da Academia Campinense de Letras. Foi agraciado, pela sua obra jornalística, com o título de Cidadão Campineiro, em 1993. É um dos jornalistas mais veteranos ainda em atividade em Campinas. Atualmente faz trabalhos como freelancer, é cronista do PlanetaNews.com e mantém o blog pedrobondaczuk.blogspot.com. Pontepretano de coração e autêntico "rato de biblioteca". Recebeu, em julho de 2006, a Medalha Carlos Gomes, da Câmara Municipal de Campinas, por sua contribuição às artes e à cultura da cidade.

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