Sentir e pensar

O que é mais importante, diria indispensável, para se fazer uma boa obra de arte (entre outras coisas), o sentimento ou o pensamento? Claro que o ideal é o “casamento” indissolúvel e harmonioso de ambos, ou seja, da emoção e do raciocínio. Mas, se o artista tiver que optar por um dos dois (e não raro tem), sua opção mais inteligente e sensata é priorizar o primeiro. Ou seja, deve escolher, sem pestanejar, o sentimento. Fernando Pessoa afirmou a respeito: “Sentir é criar. Sentir é pensar sem idéias, e por isso sentir é compreender, visto que o universo não tem idéias”. E não tem mesmo.

Em outro trecho de um dos seus tantos textos, o poeta dos heterônimos reforça sua tese e aduz: “Os sentidos são divinos, porque são a nossa relação com o universo, e a nossa relação com o universo Deus”. A natureza torna-se mais compreensível quando, em vez de vê-la, a sentimos. Tentar racionalizá-la, traduzi-la em idéias, pode redundar, até, em belas fantasias, mas é o método mais falho para captarmos a realidade. A criação é fruto de sentimentos muito mais do que da razão.

Fernando Pessoa observa, ainda, que "sentir é compreender. Pensar é errar". Depende, portanto, do que queremos. Se buscamos a compreensão, através somente do raciocínio, acorrentando nossos sentimentos e policiando as emoções, estamos em um caminho equivocado. Aldous Huxley tem uma observação pertinente, que completa esse raciocínio: "A ciência não explicou nada. Quanto mais sabemos, mais fantástico se torna o mundo e mais profunda fica a escuridão ao seu redor".

Três condições espirituais são indispensáveis para a manutenção da nossa saúde psíquica e física: fé, esperança e amor. Sem elas, estaremos perdidos num mar tempestuoso de dúvidas, medos e de ódio, que têm que ser vencidos se pretendermos conservar a sanidade.

Sem uma crença transcendental, nossa vida não terá nenhum sentido. Quem não espera nada, por sua vez, e não acredita que possa alcançar o que deseja, carece de metas e todos os seus esforços se tornam inúteis e vãos. E aquele que não ama, tem a alma repleta de sentimentos negativos que, invariavelmente se refletem no corpo, o fazendo adoecer.

Mas essas três condições espirituais são sentimentos, não pensamentos. Sentimo-las e não pensamos, necessariamente, nelas. O filósofo Will Durant, com base em pesquisas científicas sérias, constatou, em seu livro “Filosofia da Vida”: “A fé, a esperança e o amor parecem expandir-se em cada célula do nosso corpo; a dúvida, o medo e o ódio contraem-nos os tecidos, como se fossem venenos – e, fisicamente, são venenos”. Como são!

Admito que nada no ser humano é mais nobre e maior do que a razão. Nada se compara à sua capacidade de raciocinar, de analisar e entender tudo e todos que o cercam e de criar, com a simples força do pensamento, o abstrato, ou seja, o que não existe. Não fora sua racionalidade, e esse animal, organicamente tão frágil e vulnerável, há muito, e fatalmente, já teria desaparecido da Terra. Aliás, não está a salvo do desaparecimento. Mas sem o sentimento, sem a emoção, sem a ação benéfica dos sentidos, não saberíamos apreciar, adequadamente, a vida e a beleza e muito menos reproduzi-la.

Face a essas constatações, indago: o que devemos preservar? A inteligência, desenvolvida ao longo dos anos mediante o exercício e o estudo? Ou a sensibilidade, com a qual nascemos, e que tínhamos quando crianças, mas que, na idade adulta, não raro abrimos mão? Embora a maioria possa optar pela primeira, manda a prudência que cultivemos com mais afinco a segunda. Ou seja, que sejamos sensíveis, emotivos, apaixonados até em todos os nossos relacionamentos e nossas realizações.

Claro que o ideal seria ter as duas coisas simultaneamente, mas pela vida toda e não somente por determinado período dela, por certo tempo, que varia de pessoa para pessoa. Conservá-las enquanto vivermos, creiam, raia à impossibilidade. O poeta Paulo Mendes Campos adverte: “Inteligência degenera com a idade, sensibilidade não; inteligência é desonesta, sensibilidade não”.
Para Jiddu Krishnamurti, eminente filósofo indiano, falecido em 1986, esta fusão, esta integração, esta simultaneidade entre pensamento e sentimento é não somente possível, como indispensável.
O eminente educador acentuou, em um dos seus tantos (e sábios) textos: “Separamos o intelecto do sentimento, desenvolvemos o intelecto à custa do sentimento. Somos como um tripé com uma perna mais longa do que as outras, não temos equilíbrio. Somos educados para sermos intelectuais; (…) (A Educação e o Significado da Vida, pág. 79)
Em outro trecho, Krishnamurti, considerado pela Sociedade Teosófica como um dos grandes mestres do mundo, afirma: “(…) O que pode produzir a transformação em nós, e por conseguinte na sociedade, é a compreensão do processo integral do pensar, que não é diferente do sentir. Sentir é pensar”. Ou seja, o sábio indiano fez a mesma constatação de Fernando Pessoa, de quem, aliás, nem foi contemporâneo, com que iniciei estas reflexões.





Jornalista, radicado em Campinas, mas nascido em Horizontina, Rio Grande do Sul. Tem carreira iniciada no rádio, em Santo André, no ABC paulista. Escritor, com dois livros publicados e detentor da cadeira de número 14 da Academia Campinense de Letras. Foi agraciado, pela sua obra jornalística, com o título de Cidadão Campineiro, em 1993. É um dos jornalistas mais veteranos ainda em atividade em Campinas. Atualmente faz trabalhos como freelancer, é cronista do PlanetaNews.com e mantém o blog pedrobondaczuk.blogspot.com. Pontepretano de coração e autêntico "rato de biblioteca". Recebeu, em julho de 2006, a Medalha Carlos Gomes, da Câmara Municipal de Campinas, por sua contribuição às artes e à cultura da cidade.

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