Não existe uma fórmula

A palavra felicidade e, mais do que o simples termo, o conceito que ela representa, é uma das mais batidas e exploradas por escritores de todos os gêneros (principalmente os que escrevem livros e mais livros de auto-ajuda), e também por psicólogos, psiquiatras, filósofos, líderes religiosos e... poetas. Todos procuram uma fórmula mágica, transcendental e infalível para serem e tornarem os outros felizes. Claro que nunca a descobriram. E nem poderiam. Por que? Porque ela, simplesmente, não existe. Trata-se de condição particularíssima, individual, exclusiva, de cada pessoa. Algumas sentem-se felizes com pouco, muito pouco. Há quem atinja esse estado de espírito até sem nada. Há, também, quem seja feliz e sequer saiba. E as situações são tantas quantas são as pessoas que habitam este acolhedor Planeta (ou outro habitado, caso haja).

Trata-se de um conceito ambíguo, sem um sentido claro, objetivo e definido, como amor, esperança, fé etc.etc.etc. Em contraposição às pessoas que são absolutamente felizes por nada, há outras tantas que têm tudo o que alguém possa aspirar e são “poços” de infelicidade. Por que? Antoine de Saint-Exupéry, por exemplo, considera que a felicidade seja “recompensa” e não “fim”. Discordo.

Entendo que ela seja uma predisposição, uma condição espiritual favorável, um estado de satisfação íntima que não depende de nada e ninguém para se instalar em nossas vidas. Para sermos felizes, temos de “querer” sê-lo, mas com a máxima intensidade, de coração e alma abertos, agindo para tal e sem atentar para o que somos, o que temos e com quem estamos. Não podemos (e não devemos) condicionar esse estado a nada e ninguém. Via de regra, contudo, condicionamos. É um erro.

Um dos maiores pecados que uma pessoa pode cometer, se não o maior de todos, é o de não ser feliz, já que a felicidade não é tão inacessível como se pensa e, potencialmente, está ao nosso alcance. Como? Cada qual que descubra a sua própria forma (não confundir com “fórmula”, pois esta não existe). O grande erro que os infelizes de carteirinha cometem é o de alimentar rancores, inveja, cobiça e egoísmo, em detrimento dos sentimentos nobres, das emoções sadias e dos atos de grandeza.

A felicidade, ao contrário do que muitos pensam, não consiste na posse de bens materiais (embora estes contribuam para ela) e nem na companhia de pessoas que os sirvam e bajulem (apesar de não se dever descartar-se delas também). Estes até podem ser fatores que contribuam para que sejamos felizes. Mas, sozinhos... não nos proporcionam essa desejada bem-aventurança.

A felicidade, insisto, não é nada concreto, visível ou palpável. É, reitero, um conceito, uma postura, um comportamento. É, por exemplo, a satisfação com o que se tem. É a alegria com as aparentemente pequenas coisas da vida que, no entanto, são as que realmente contam. É saber se emocionar com o nascer e o pôr-do-sol, o desabrochar de uma flor, o sorriso de uma criança e, sobretudo, é nutrir genuína gratidão pelo privilégio de viver. Muitos não nutrem e alguns vão ao extremo de tentar abreviá-la.

O mundo não é mau, como ouvimos e lemos amiúde, desde tenra infância. A existência não é ruim, não é o vale de dores e de lágrimas que tanto dizem (embora, às vezes, possa até ser), e como asseguram, sobretudo, furibundos e fanáticos pregadores ascéticos. A felicidade não é uma ocorrência rara e virtualmente ilusória. Nós é que complicamos a vida. Nossa vaidade, nossa arrogância e nossa prepotência contra o próximo é que, como a mola, voltam para nós com a mesma força com que as destinamos aos outros e nos oprimem, machucam e humilham. Corremos o tempo todo atrás de sombras e não percebemos a substância parada bem diante dos nossos narizes, como já escrevi inúmeras vezes ao tratar deste e de outros temas.

Há pessoas que deixam de usufruir a felicidade por não a saberem sequer identificar. Contam, por exemplo, com uma família unida e amorosa; são cercadas de afeto de múltiplos amigos, mas não sabem dar valor a esse magno privilégio, alheias ao fato de que a maioria não conta com essa bênção. Apostam na infelicidade e findam por, de fato, serem infelizes.

Devemos ser pródigos em agradecimentos e parcimoniosos em reclamações. Caso contrário... Seremos rematados tolos de chutar nossa felicidade para um lugar em que jamais a conseguiremos alcançar. Ninguém, em lugar algum, é feliz o tempo todo. Isso não existe. Sempre haverá uma preocupação, uma angústia, um contratempo, um desgosto qualquer, pequeno ou grande, para nos atormentar. Isso, contudo, não pode influir em nosso humor, não pelo menos por muito tempo. A felicidade é constituída de “momentos”, mais ou menos duradouros, de acordo com nossas ações e, também, conforme nossa percepção.

Esse estado de espírito, para ser genuíno, deve arrancar risos espontâneos da alma ou lágrimas de alegria, por sua intensidade. Não implica em complicações. Prescinde de fórmulas ou de rituais. É simples, de simplicidade franciscana. Está, sempre, ao nosso alcance, todos os dias, em qualquer momento, até nas circunstâncias mais dramáticas e perigosas da vida. Nós é que às vezes não sabemos frear nossos desejos e não a enxergamos, a despeito dela estar tão próxima e acessível.

Reitero que a felicidade não está nas coisas e muito menos em outras pessoas, por mais importantes que elas nos sejam. Está em nós. É um estado de espírito. Basta estarmos predispostos a ela, que ela se instala de vez em nossas vidas. Estou certo que se instalou na sua, paciente leitor. O poeta Mauro Sampaio diz, com talento e beleza, nos versos do poema “Simples”:

“Eu me alegro na contemplação das flores.
As abelhas também me comovem.
Muitas vezes me extasio ante o coaxar dos sapos
ou um pedaço de papel solto ao vento.

Por isso minhas lágrimas são fáceis
e minha alegria imensa”.

Um dos desafios mais árduos e, no entanto, mais compensadores, é o de aprender a lidar com frustrações de toda a sorte em nosso cotidiano e evitar que elas se transformem em crônicos aborrecimentos. Para o bem da nossa saúde física e mental, e para o bem-estar dos que nos cercam e que conosco convivem, devemos manter sempre constante o nosso bom-humor, sem permitir que qualquer incidente, seja de que tamanho ou natureza for, o comprometa e arruíne. Difícil? Sem dúvida! Impossível? Longe disso!

Devemos ter em mente a sábia observação do filósofo Ralph Waldo Emerson: “Para cada minuto que você se aborrece perde sessenta segundos de felicidade”. Não parece muito, mas é, Trata de perda irreparável. Há pessoas que perdem não apenas um minuto, mas horas sem fim, dias, meses, anos, quando não a vida toda, acalentando mágoas, chateações e desejos de vingança, abdicando da possibilidade de serem felizes. Vale a pena abrir mão de tanto por tão pouco? Claro que não! Agindo dessa maneira não conseguirão mesmo serem felizes. Pensem nisso.





Jornalista, radicado em Campinas, mas nascido em Horizontina, Rio Grande do Sul. Tem carreira iniciada no rádio, em Santo André, no ABC paulista. Escritor, com dois livros publicados e detentor da cadeira de número 14 da Academia Campinense de Letras. Foi agraciado, pela sua obra jornalística, com o título de Cidadão Campineiro, em 1993. É um dos jornalistas mais veteranos ainda em atividade em Campinas. Atualmente faz trabalhos como freelancer, é cronista do PlanetaNews.com e mantém o blog pedrobondaczuk.blogspot.com. Pontepretano de coração e autêntico "rato de biblioteca". Recebeu, em julho de 2006, a Medalha Carlos Gomes, da Câmara Municipal de Campinas, por sua contribuição às artes e à cultura da cidade.

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