Criadores e construtores

A criação literária não tem nenhuma fórmula mágica, universal e infalível, que garanta, a quem eventualmente a possuísse (e ninguém a possui, porquanto não existe), originalidade, credibilidade e qualidade. O processo de elaboração de uma obra artística ou intelectual e, principalmente, o teor do que é criado, dependem de cada artista, de cada escritor (ou filósofo, ou cientista etc.etc.etc.). É individual e intransferível. São aptidões que têm a ver com cultura, vivência, autodisciplina, talento e com os ambientes que a pessoa freqüentou, com as pessoas que conheceu e se relacionou e com sua capacidade de observação e de descrição do que observou. Além, claro, do óbvio: da sua técnica, estilo, domínio do idioma e visão de vida.

Cada gênero (poesia, crônica, ensaio, conto, novela e romance) tem suas próprias regras, suas peculiaridades, seus cânones, suas técnicas características. O que deve prevalecer, acima de tudo, é o bom gosto do escritor. É a clareza com que expõe o que pensa e cria. É a convicção com que defende seus princípios éticos e/ou estéticos.

Para ter sucesso, é necessário que a obra literária (que, no caso, é o que nos interessa) tenha a capacidade natural de prender a atenção do leitor. E, mais do que isso, de fazer dele cúmplice, uma espécie de parceiro do ato criativo, o que é muito mais difícil do que parece, porém é compensador. Isso depende do talento natural de cada um. Ou a pessoa é apta para realizar o que se propõe ou não é e ficará marcando passo, atado a meros lugares comuns, sem nada acrescentar a idéias surradas e, não raro, ultrapassadas.

Entre os que, de fato, fazem a diferença no mundo, por sua conduta e suas obras, há duas categorias que se destacam: a dos criadores e a dos construtores. Há, é verdade, quem consiga ser as duas coisas simultaneamente, o que é mais raro do que se pensa (e. certamente, do que se deseja). Estes se tornam imprescindíveis às comunidades que integram.

E qual a diferença entre “criar” e “construir”? É profunda e claramente delimitada. Os que constroem, em geral, se limitam a executar projetos alheios. Ou seja, fazem o trabalho “braçal” de determinada obra, não importa sua natureza. Não a conceberam, embora a tenham executado. Seguem as pegadas alheias, com modificações aqui e ali, mas sem originalidade. São importantes? Muito! Desde que se limitem a cumprir bem seu papel.

Já os criadores partem do zero, do nada, às vezes de reles e indefinido fiapo de idéia. E “inventam” suas obras literalmente, desde a concepção original até sua concretização final. Em termos de satisfação íntima, prefiro ser criador, embora não desdenhe do construtor. Nem poderia.

O romancista inglês, Charles Dickens, observa a respeito: “A verdadeira diferença entre a construção e a criação é esta: uma coisa construída só pode ser amada depois de construída, mas uma coisa criada ama-se mesmo antes de existir”. É essa paixão que deve nos mover vida afora: a de criar, criar e criar, com diligência, competência, assiduidade e originalidade..

As grandes obras, intelectuais ou artísticas, são solitárias. São individuais, personalizadas, frutos do conhecimento, da experiência e da vontade de quem as elabora. Originam-se de uma visão particular de mundo e, após elaboradas, se popularizam e ganham acréscimos, aperfeiçoamentos e ampliações alheios. Mas suas concepções, reitero, são individuais. John Steinbeck faz essa constatação no livro “A Leste do Éden”: “Nossa espécie é a única criativa e possui apenas um instrumento criativo: a mente individual e o espírito de um homem. Nada jamais foi criado por dois homens”.

A seguir, complementa essa observação: “Não há boas colaborações em música, arte, matemática, poesia, filosofia. Depois que o milagre da criação ocorreu, o grupo pode consolidá-lo e ampliá-lo. Mas o grupo nunca inventa qualquer coisa. O grande valor está na mente solitária de um homem”. Explore, pois, sua mente. Confie no seu talento. Crie, para tornar o mundo mais rico em conhecimentos e em opções.

O fato de não termos inventado nada, mas apenas refletido sobre idéias alheias, elaboradas às vezes milênios antes do nosso nascimento, não invalida, todavia, a filosofia, nem a incessante busca por conhecimentos que devemos empreender, nem a pesquisa científica e nem, sobretudo, a Literatura (que, no meu caso, é a minha grande paixão). O que não podemos é ser arrogantes e presunçosos e nos acharmos “geniais”, por contarmos com um “tantinho” de inteligência e de talento.

Temos que deixar de lado nossa propalada auto-suficiência e admitir que não passamos de anões. E que nos parecemos gigantes (isso quando parecemos) – aos que nos observam à distância – apenas por estarmos de pé nos ombros dos que de fato foram geniais, grandiosos, originais e criativos (até premidos por necessidades). Ou seja, dos nossos verdadeiramente inventivos (no entanto anônimos). antepassados.

Se Goethe, reconhecidamente gênio da Literatura mundial de todos os tempos, negava a mais remota possibilidade de ser “descobridor”, e, portanto, de ser original (e negou-o publicamente, em vários dos seus textos) quem sou eu, que não conto com o mínimo resquício da sua genialidade, para me sentir minimamente inventivo?! Definitivamente, não sou! Mas não desisto de tentar ser.

Há pessoas que têm potencial imenso de criatividade, mas o desperdiçam por falta de disciplina, de método, de continuidade e, principalmente, de comprometimento com o que quer que seja. Acham que lhes basta mera “inspiração” para inventarem máquinas, princípios, ideologias ou, até, para comporem simples poema. Estão equivocadas. Só isso não basta.

A capacidade de criar só pode ser plenamente desenvolvida com disciplina, concentração, estudo e trabalho. Requer, além disso, meticuloso planejamento e rigor na execução do que foi planejado. Albert Einstein, tido e havido como gênio, criador (entre outras coisas) da “Teoria da Relatividade”, afirma: “Fazer, criar, inventar exigem uma unidade de concepção, de direção e de responsabilidade”. E, convenhamos, ele sabia o que dizia.

Não desperdice, pois, seu talento (se o tiver), por mera negligência. Aplique-se, concentre-se, estude e trabalhe, sem esmorecimento ou desânimo. Afinal, a vida é oportunidade única, sem nenhuma chance de reprise. Procure, nos limites da sua capacidade, ser criador, caso sua capacidade o qualifique a sê-lo. Se não conseguir... Não se aflija. Não se sinta diminuído em ser “apenas” construtor. Afinal, sê-lo é muito mais valioso do que simplesmente se omitir, ser parasita que nada faz e usufrui de obras alheias, sem criar e nem construir nada, em tempo algum.





Jornalista, radicado em Campinas, mas nascido em Horizontina, Rio Grande do Sul. Tem carreira iniciada no rádio, em Santo André, no ABC paulista. Escritor, com dois livros publicados e detentor da cadeira de número 14 da Academia Campinense de Letras. Foi agraciado, pela sua obra jornalística, com o título de Cidadão Campineiro, em 1993. É um dos jornalistas mais veteranos ainda em atividade em Campinas. Atualmente faz trabalhos como freelancer, é cronista do PlanetaNews.com e mantém o blog pedrobondaczuk.blogspot.com. Pontepretano de coração e autêntico "rato de biblioteca". Recebeu, em julho de 2006, a Medalha Carlos Gomes, da Câmara Municipal de Campinas, por sua contribuição às artes e à cultura da cidade.

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