Tema inesgotável

O futebol, mais do que modalidade esportiva, fenômeno sociológico da atualidade, que empolga bilhões de pessoas em todo o mundo, é um tema inesgotável para o escritor. Pode ser abordado pelos mais diversos ângulos e, por mais que se escreva a respeito, ainda haverá, sempre e sempre, o que ser escrito. Tempos atrás afirmei que, por se tratar de um assunto tão fascinante e extenso, há, relativamente, poucos livros, tendo-o por foco.

Muito já se escreveu sobre o futebol, admito. Volta e meia, novos livros, de ficção ou não, são lançados no mercado e, em tal quantidade, que é impossível a alguém ler todos. Ainda assim, insisto, o tema deveria ser mais e melhor explorado. Uma das minhas pretensões – que “ainda” não chega, bem, a se constituir num plano – é escrever um livro apenas com os jargões futebolísticos, a maioria criada por cronistas esportivos, e que freqüentam o vocabulário dos torcedores.

Uma coisa que acho meio estranha é a relação de determinados termos desse esporte com guerra. Por exemplo, um chute muito forte de um atleta é chamado ou de “canhão” ou de “bomba”. O sujeito que faz muitos gols é logo classificado de “artilheiro”. E daí deriva ainda a expressão “artilharia”. O chute em direção ao gol é relatado como sendo um “tiro”. Daí não se estranhar muito quando os torcedores nos estádios encaram uma partida como se fosse, de fato, uma guerra. Claro que não é e nunca deveria ser. Enfim, as coisas são dessa maneira.

Como o futebol – pelo menos da maneira como é praticado atualmente – originou-se na Inglaterra, a maioria das expressões referentes à modalidade é emprestada do inglês. Claro que, entre nós, elas foram abrasileiradas. O próprio nome do esporte, “football”, passou a ser “futebol”, expressão que consta de todos os dicionários e que é, logicamente, um anglicismo. Já tentaram consagrar outros termos, como por exemplo “pé bola”, mas nenhum deles pegou, muito menos essa tradução literal do inglês.

Qual o objetivo de uma competição futebolística, a que determina um vencedor em uma disputa? Logicamente, é o gol. Chega a ser até redundante afirmar isso, não é mesmo? Essa palavra origina-se, como tantas outras, do inglês, de “goal”. E sabem o que ela significa? Exatamente isso, Significa “objetivo”, “alvo”, “meta”. Esta última palavra é utilizada para caracterizar aquela espécie de “bunker”, que as equipes defendem com o maior empenho e que atacam com o máximo vigor quando do adversário, composto por dois postes verticais, com um travessão horizontal por cima, que conta com uma rede, onde a bola deve ser embocada.

Algumas posições ocupadas pelos atletas também têm denominações no mínimo pitorescas. O sujeito encarregado de defender a meta, para impedir o gol, o único que a regra permite que se utilize das mãos, é chamado de “goleiro”. Já o que tem a habilidade de fazer muitos pontos, é o “goleador”. Pensem nessas expressões como se não conhecessem nada de futebol. Nessas circunstâncias, elas não soam um tanto exóticas? A mim, assim parece.

Os defensores que atuam mais próximos das próprias traves, cuja tarefa é exatamente impedir que os adversários marquem pontos, ou seja, façam gols, ocupam uma posição que é chamada de “zaga”. São os “zagueiros”. Qual o significado comum desses dois termos? Que relação eles têm com o futebol? Afinal, consultando o “Dicionário Priberam de Língua Portuguesa”, não vi nenhuma relação do termo com o tal “esporte das multidões”.

“Zaga” tanto pode ser uma “árvore de que se fazem azagaias”, quanto uma “espécie de palmeira”. O que tem, pois, a ver com os atletas encarregados de impedir gols do adversário? Nada, rigorosamente nada! Quanto ao termo “zagueiro”, a única referência que encontrei é que o termo procede do espanhol. Que significado tem? Qual sua relação com o futebol? Não me perguntem, pois não sei. Viram como a partir dos próprios jargões essa modalidade enseja assunto para livros e mais livros?

Outra posição ocupada por atletas em campo e que considero pitoresca é a do “volante”. Antigamente, ele era chamado de centro-médio. Esse termo, aplicado ao futebol, é, portanto, relativamente recente. Recorrendo de novo ao “Dicionário Priberam de Língua Portuguesa” – e consultei esse para fugir do óbvio – constatei que essa palavra tanto pode ser um adjetivo, quanto um substantivo. E, em ambos os casos, a relação de significados é bastante extensa, mas nenhum que se enquadre para justificar o fato do atleta que ocupa esse função em campo ter essa designação.

Querem ver? O primeiro significado do adjetivo “volante” é “aquele que tem a faculdade de voar”. Vocês conhecem algum desses “volantões” dos principais times brasileiros, ou argentinos, ou ingleses, ou italianos que “voem”? Eu não conheço. Conheço muitos, sim, que fazem seus adversários voarem.

Os outros significados do adjetivo “volante” são: “Que pode levantar e tornar a sentar; que não tem paradeiro, errante, que ora está em um lugar ora em outro (que é o significado que melhor se enquadra no caso de atleta que exerça essa função); que anda em operações sem bagagem nem artilharia; que não é servido com as formalidades usuais; que cada qual come onde quer”.

Quanto ao substantivo “volante”, nenhum dos significados se enquadra, nem figurativamente, ao nosso caso. Apenas por curiosidade, apresento quais são: “tecido leve e transparente próprio para véu; a bola de badminton (geralmente de plástico ou de cortiça e penas de pato); jogo com esse objeto; pesada rede que serve para conservar a uniformidade do movimento de uma máquina; peça que nos relógios resiste ao impulso da mola; seta, dardo; (pesca) rede de um só pano para emalhar pescadas; rodeiro; roda que comanda a direção de um automóvel, e, por extensão, o automobilismo; correia contínua na roda das máquinas; lacaio, servo; (Portugal, Minho) instante, movimento; condutor de automóvel”. Viram como apenas algumas nomenclaturas do futebol já ensejaram tanto texto? Voltarei, oportunamente, ao assunto.





Jornalista, radicado em Campinas, mas nascido em Horizontina, Rio Grande do Sul. Tem carreira iniciada no rádio, em Santo André, no ABC paulista. Escritor, com dois livros publicados e detentor da cadeira de número 14 da Academia Campinense de Letras. Foi agraciado, pela sua obra jornalística, com o título de Cidadão Campineiro, em 1993. É um dos jornalistas mais veteranos ainda em atividade em Campinas. Atualmente faz trabalhos como freelancer, é cronista do PlanetaNews.com e mantém o blog pedrobondaczuk.blogspot.com. Pontepretano de coração e autêntico "rato de biblioteca". Recebeu, em julho de 2006, a Medalha Carlos Gomes, da Câmara Municipal de Campinas, por sua contribuição às artes e à cultura da cidade.

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