Existência insensata

A insensatez é a tônica do comportamento humano, o que comprova que ainda temos muito que evoluir para atingirmos um estágio mínimo de lucidez e de sabedoria. Nossa vida, em maior ou menor grau (dependendo da capacidade de entendimento de cada um) é caracterizada (ou porque fomos educados assim ou por mero instinto de imitação), por ilusões, fantasias e sonhos delirantes e irrealizáveis, com um ou outro fragmento de realidade.

Abrimos mão da experiência legada pelos ancestrais e achamos que isso seja progresso, avanço, “modernidade”, civilização. Não é! Deixamos a vida sadia, pacata e com poucas (ou nenhuma) tensões do campo, em contato direto com a natureza e a nossa tribo, para construir feéricas e assustadoras cidades, com populações equivalentes (em alguns casos) à de países inteiros. A cidade de São Paulo, por exemplo, sozinha, tem o dobro de habitantes de Portugal inteiro. Essas Babéis contemporâneas constituem-se em absurdas e insalubres selvas de asfalto e cimento, nas quais nos digladiamos, ferozmente, em contínua competição, e onde nos sentimos, paradoxalmente, mais solitários do que nunca.

Despendemos nossos esforços ao limite da nossa capacidade, investimos nossos melhores talentos e habilidades, em coisas triviais, sem nenhum valor intrínseco ou importância real, em detrimento da nossa paz e da nossa felicidade. E chegamos a nos matar por essas quinquilharias!

Juntar dinheiro tornou-se, para muitos, obsessão, sem que usufruam das vantagens que a riqueza proporciona, esquecidos que a morte é a única certeza que há e que a fortuna de nada valerá quando chegar a hora fatal. E quem não junta, por não ter condições para isso, coloca a possibilidade de um dia poder juntar (mesmo que remota) como supremo ideal, grande meta que pretende alcançar.

Insensatez! Pura insensatez! Trocamos o Deus dos nossos pais (cuja “morte” alguns tolos arrogantes chegaram a “decretar”, como se isso fosse possível), pelos consultórios cada vez mais abarrotados de psiquiatras, quando não por salas de adivinhos, de charlatães e exploradores da ingenuidade alheia de toda a espécie.

Queremos antecipar o futuro (o que é impossível) para alterar o que sequer aconteceu e pode nunca acontecer (absurdo)! E quando nos chamam de “alienados”, nos rebelamos e nos sentimos ofendidos. Mas essa atitude não é uma alienação? Claro que é.

A raiz dos nossos males está em nossa alma. Está no recalcitrante e pétreo egoísmo que nos move e caracteriza. Somos incapazes de compreender o quanto isso nos é nocivo. Rav Michael Laitman, no livro “A revelação da Cabala” (Editora Imago) adverte a propósito: “Na verdade, o altruísmo não é uma opção. Apenas aparentemente é como se pudéssemos escolher sermos egoístas ou altruístas. Mas ao examinarmos a Natureza nós perceberemos que o altruísmo é a mais fundamental lei da natureza”.

Laitman não se limita a constatar o óbvio, mas exemplifica: “Cada célula em nosso corpo é inerentemente egoísta. Mas para existirem, precisam renunciar a suas tendências egoístas para causarem o bem-estar do corpo. A recompensa para cada célula é que ela experimenta não só sua própria existência, mas a vida de um corpo inteiro”.

Claro que, se isso funciona em relação a cada célula do nosso corpo, e garante, com essa ação cooperativa, nossa existência, enquanto organismos íntegros e saudáveis, funcionaria tão bem, ou melhor, se tivéssemos noção da importância do altruísmo na vida social. Infelizmente, (ainda) não temos!

Laitman conclui assim suas reflexões a propósito: “Nós também precisamos desenvolver uma conexão similar uns com os outros. Assim, quanto mais bem-sucedidos formos ao nos aderirmos uns aos outros, mais nós sentiremos a existência de Adão em vez de nossa existência física passageira”.

O homem “ainda” tem conserto? Tem! Todavia, depende da atitude que vier a assumir no prazo mais curto possível, no dia de hoje, na hora presente. Rav Michael Laitman só vê um caminho para emendarmos nossas mazelas e tolices e garantirmos a sobrevivência da espécie: “Falando diretamente, quando corrigirmos a nós mesmos do egoísmo para o altruísmo, tudo o mais será corrigido também – a ecologia, a miséria, a guerra e a sociedade...”

Não vale a pena tentar? Claro que vale! Resta saber se ainda haverá tempo, antes que o homem se destrua e arrase o planeta que lhe dá condições de vida e sustentação (está perigosamente a caminho disso e parece sequer ter se dado conta). Insensatos, é o que na verdade somos! Insensatos e arrogantes, travestidos de “civilizados”.





Jornalista, radicado em Campinas, mas nascido em Horizontina, Rio Grande do Sul. Tem carreira iniciada no rádio, em Santo André, no ABC paulista. Escritor, com dois livros publicados e detentor da cadeira de número 14 da Academia Campinense de Letras. Foi agraciado, pela sua obra jornalística, com o título de Cidadão Campineiro, em 1993. É um dos jornalistas mais veteranos ainda em atividade em Campinas. Atualmente faz trabalhos como freelancer, é cronista do PlanetaNews.com e mantém o blog pedrobondaczuk.blogspot.com. Pontepretano de coração e autêntico "rato de biblioteca". Recebeu, em julho de 2006, a Medalha Carlos Gomes, da Câmara Municipal de Campinas, por sua contribuição às artes e à cultura da cidade.

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