A arte do desafio

Há críticos literários que entendem muito de teoria, mas que são péssimos comunicadores. Muitos são, inclusive, desinformados a respeito de conceitos primários, que deveriam conhecer como a palma da mão. Alguns, para se mostrarem “modernos”, acabam por se revelar, apenas, “modernosos”. Ostentam falsa modernidade, que na verdade não é mais que postura sumamente arcaica e ultrapassada. É como se trajassem para uma festa de gala com bela casaca bem talhada, elegante gravata borboleta, mas se esquecessem de vestir as calças. Em vez de se trajarem, fantasiam-se. Em vez de causar sensação pela elegância, provocam gargalhadas pelo ridículo.

Aviso aos navegantes: não sou inimigo declarado dos críticos (dos que de fato são e dominam com perícia as técnicas desse gênero literário de elite. Estranhou essa colocação? Pois é isso mesmo. A crítica é um gênero literário e dos mais complexos e nobres). O que me irrita são impostores ocupando lugares que não são seus, por não estarem preparados para tal. Quando meus textos são criticados por pessoas do ramo, submeto-me à sua avaliação e busco aprender com as críticas. Se não agir assim, o prejudicado serei eu. Volta e meia, embora não se trate da minha especialidade, aventuro-me a fazer crítica literária, pois domino sua técnica e seus princípios.

Ocorre que jamais destruí (e nem pretendo destruir) os sonhos de quem quer que seja. Quando me cai em mãos algum livro notoriamente ruim, recuso-me a criticá-lo. Outro que o faça. Até porque, busco, em minhas avaliações, ser o mais objetivo e sincero possível. Daí jamais haver feito críticas negativas. Por que? Por hipocrisia? Para agradar os autores? Não, não e não! Por aceitar fazer crítica “somente” de livros muito bons. Dessa forma, nem deixo de ser honesto em minhas opiniões e nem violo meu princípio de não destruir sonhos de ninguém, de nenhum escritor neófito que esteja se iniciando neste complicado e nem sempre ético mundo das letras. Faço reparos, sim, mas em particular. Jamais em textos publicados.

Nem sempre, porém, procedem dessa mesma forma comigo. Jamais busquei consenso e nem tive a ingenuidade de achar que seria encarado como genial pelos leitores, que todos apreciariam meus temas e meu estilo sem contestações. Seria muita burrice da minha parte se achasse.

O que não agüento é “crítico literário” tentando rotular-me, sem sequer saber o que fala. Outro dia, um desses sujeitinhos arrogantes, com pose de sabichão, mas que sequer consegue respeitar as normas da gramática, classificou meus textos de “retóricos”. Sua intenção, claro, era espinafrar-me, mas, por pura ignorância, findou por me fazer enorme elogio. O que é a retórica (que nosso “especialista” de plantão entende como algo ruim)? É a técnica (ou arte, prefiro esta caracterização) de convencer, através da oratória, da palavra escrita ou de outras formas de comunicação.

E qual é o objetivo de qualquer comunicador? Não é o de persuadir pessoas a abraçarem determinadas causas e ideais e repudiarem e se oporem a outros? Não é a de “convencer” os receptores da excelência da sua comunicação? Partindo da premissa que o escritor é um comunicador (e de fato é), concluo esse silogismo com o “logo”... tenta sempre, e sempre, e sempre, “convencer” leitores. Portanto (alguns mais e outros menos) o escritor é retórico por excelência. Se também o sou... estou no bom caminho, não é mesmo?

Não sei se estou certo, mas creio que retórica deriva de “repto”, ou seja, de desafio. Se não for, bem que poderia ser. Vá lá, fica sendo. Para mim, portanto, retórica é, também, a arte do desafio. É tão importante, que no passado chegou a ser matéria ensinada nas melhores universidades mundiais. Só não é hoje, porque os que estabelecem os currículos às vezes não sabem distinguir o útil do inútil. A Retórica compunha, ao lado da Dialética e da Gramática, o “trivium”, ou seja, as três artes liberais.

Raciocinemos. A palavra é o mais miraculoso engenho que o cérebro humano engendrou. E a criatividade do único animal racional da natureza extrapolou todos limites ao criar não apenas dez, ou mil, delas, mas bilhões, em centenas de idiomas. A palavra escrita, então, é o máximo de criatividade e fundamento de toda a evolução humana. Através dela, é possível preservar, indefinidamente, o que cérebros privilegiados pensaram e criaram, geração após geração, como herança dos antepassados à qual os homens de hoje acrescentam sua contribuição para os do futuro.

E, apesar de tudo isso, as palavras são tão pobres para definir e descrever alguns pensamentos e sentimentos, como amor, amizade, saudade etc.! Elas, todavia, são nosso instrumento de comunicação, nossa arma para “convencer” recalcitrantes. São, pois, ferramenta por excelência de retórica. Giuseppe Ungaretti manifestou impotência por não se sentir devidamente retórico, neste belíssimo poema:

“Dias e noites
tangendo
em meus nervos
de harpa

vivo desta jóia
doentia do universo
e sofro
de não sabê-la
acender
na minha
palavra”.

Retórico, eu?! Que bem! Estou no caminho certo, quer meus críticos concordem e gostem do que escrevo, quer detestem de forma liminar. Só não vale agir como aquele meu inimigo declarado que afirmou, a propósito de um dos meus livros: “não li e não gostei”. Isso é ser chulo, tapado, ignorante e todos os adjetivos pejorativos mais que possam vir à mente!





Jornalista, radicado em Campinas, mas nascido em Horizontina, Rio Grande do Sul. Tem carreira iniciada no rádio, em Santo André, no ABC paulista. Escritor, com dois livros publicados e detentor da cadeira de número 14 da Academia Campinense de Letras. Foi agraciado, pela sua obra jornalística, com o título de Cidadão Campineiro, em 1993. É um dos jornalistas mais veteranos ainda em atividade em Campinas. Atualmente faz trabalhos como freelancer, é cronista do PlanetaNews.com e mantém o blog pedrobondaczuk.blogspot.com. Pontepretano de coração e autêntico "rato de biblioteca". Recebeu, em julho de 2006, a Medalha Carlos Gomes, da Câmara Municipal de Campinas, por sua contribuição às artes e à cultura da cidade.

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