A erosão da autoconfiança

“O homem pode lutar contra grandes coisas. O que o destrói é a erosão. O fracasso vem aos poucos, e o homem vai ficando amedrontado”. Quem fez essa afirmação foi um dos meus escritores prediletos, que influenciou muito na minha maneira de encarar o mundo e de fazer literatura. Refiro-me ao norte-americano John Steinbeck. O romancista, ganhador do Prêmio Nobel de 1962, é mais conhecido por duas obras principais, clássicos das letras contemporâneas: “A Leste do Éden” e “As vinhas da ira”.

Os desavisados e mal-informados acham que apenas esses dois livros foram sucessos de crítica e de vendas. Estão enganados. Sua obra ficcional ascende a 30 produções, todas do mesmo nível, fascinantes por sua capacidade de induzir reflexões. Para que o leitor tenha uma idéia, informo que 17 dos livros de John Steinbeck foram adaptados para o cinema com sucesso. Um desses roteiros chegou a ser indicado, em 1944, para o Oscar de melhor história. Refiro-me a “Um barco e nove destinos”, cujo título original em inglês é “Lifeboat”, levado às telas sob a direção de um diretor que se tornou mito em Hollywood, Alfred Hitchcock.

Um dos livros de Steinbeck não muito conhecidos, pelo menos no Brasil, mas que tive a oportunidade de ler e reler e analisar com deleite e vagar, é “O inverno dos descontentes”. Aliás, esse romance tem uma peculiaridade que às vezes confunde críticos e analistas. Teve, em edições brasileiras, duas traduções distintas, que fazem com que tenha dois títulos diversos. Muitos acham que se trate de romances distintos. Não são. Uma das edições circulou no Brasil sob o título de “O inverno de nossa desesperança”. A outra, a que li, foi traduzida como “O inverno dos descontentes”. Foi desse livro que extrai a citação que abre estas minhas reflexões de hoje.

Achei pitoresca a afirmação de Steinbeck, de que os grandes fracassos não vêm subitamente, mas ocorrem aos poucos, num processo de corrosão da autoconfiança, que redunda no colapso. Claro que há exceções. Aliás, todas as regras as têm. De acordo com o romancista, temos como evitar esse desastre, essa ruína de nossos sonhos e ideais. Como? Detectando as falhas de nossa conduta e lutando contra elas. Aproveitando as oportunidades que surgirem. Não considerando, jamais, que o aparente sucesso seja definitivo e à prova de reversão. Prevenindo-nos. Evitando a erosão da confiança. Afinal, como Steinbeck enfatiza, “o homem pode lutar contra grandes coisas”. Mas somente se não se deixar abalar.´

É difícil? Provavelmente, sim. Ou, talvez, nem tanto. Depende da nossa personalidade, capacidade de autocrítica, mas também de perseverança e agilidade para mudar de rumo, quando isso se fizer necessário. É preciso impedir que o insidioso vírus do desânimo invada nosso espírito e inicie o a princípio imperceptível processo de erosão da confiança. É necessário que, em vez de nos sentirmos amedrontados, multipliquemos a coragem e não aceitemos entregar os pontos.

Leio, na enciclopédia eletrônica Wikipédia, uma informação curiosa sobre o bem-sucedido romancista norte-americano, que vem a calhar para ilustrar estas considerações. A referida fonte informa: “John Steinbeck ouviu de um professor uma vez que ele só se tornaria escritor quando os porcos voassem. Desde então, ele passou a publicar a frase ‘ad astra per alia porci’ nos seus livros, que significa ‘às estrelas nas asas de um porco’”. Que previsão mais estúpida, arrogante e furada! A grandeza de Steinbeck como escritor é do conhecimento dos que acompanham o mundo das letras. Ouso dizer que chegou ao patamar maior do sucesso e aí permanece, mais de quarenta anos após sua morte. E o professor, autor do infeliz presságio? É um ilustre desconhecido! Tanto que nem seu nome foi citado pela Wikipédia.

Sempre afirmei, e reitero, que não há nenhuma fórmula infalível para o sucesso. Aliás, para nada, principalmente para a felicidade. O que existe são pistas, indicações, procedimentos, que tendem a ajudar a nos tornarmos bem-sucedidos. Steinbeck, nesse mesmo livro, coloca esta afirmação na boca de um dos personagens: “Que coisa alarmante é o ser humano, um conjunto de arruelas, botões e registradores, dos quais só podemos interpretar alguns, ainda assim sem muita exatidão”.

Por isso, fazer previsões sobre o sucesso ou o fracasso de quem quer que seja é um exercício que, além de antipático, é, sobretudo, inútil. Somos incapazes de prever, com mínimo potencial de precisão, sequer o que pode ocorrer nos próximos cinco minutos, quanto mais nos próximos dias, meses, anos e décadas.

É certo que os sintomas de erosão da autoconfiança, nossa ou alheia, são perfeitamente detectáveis, desde que tenhamos sensibilidade para vê-los e identificá-los. Nem sempre, todavia, se tem. Aliás, isso é mais visível nos outros, do que em nós mesmos.

A insidiosa instalação do medo, que antecede o colapso, o temido fracasso, igualmente não é muito difícil de se perceber. Basta ser bom “bisbilhoteiro”, se não observador, que não passa de eufemismo. Mas, reitero, que o processo negativo pode ser interrompido e, não somente isso, pode ser revertido. Volto a afirmar que concordo com Steinbeck quando diz que “o homem pode lutar contra grandes coisas”. E como pode!

Destarte, pode vencê-las (como pode ser vencido por elas, claro). Já que iniciei estas reflexões com uma citação, as encerro da mesma forma. E para tanto, recorro a essa manifestação de admiração pelo imenso potencial que temos da parte do ganhador do Prêmio Nobel de Literatura de 1962. John Steinbeck coloca, na boca de um dos personagens de “O inverno dos descontentes” a seguinte exclamação: “Que grande homem um homem pode tornar-se!” Há uma condição básica para isso: desde que detenha, claro, o pernicioso processo de erosão da autoconfiança. Afinal, o fracasso, via de regra, “vem aos poucos”.






Jornalista, radicado em Campinas, mas nascido em Horizontina, Rio Grande do Sul. Tem carreira iniciada no rádio, em Santo André, no ABC paulista. Escritor, com dois livros publicados e detentor da cadeira de número 14 da Academia Campinense de Letras. Foi agraciado, pela sua obra jornalística, com o título de Cidadão Campineiro, em 1993. É um dos jornalistas mais veteranos ainda em atividade em Campinas. Atualmente faz trabalhos como freelancer, é cronista do PlanetaNews.com e mantém o blog pedrobondaczuk.blogspot.com. Pontepretano de coração e autêntico "rato de biblioteca". Recebeu, em julho de 2006, a Medalha Carlos Gomes, da Câmara Municipal de Campinas, por sua contribuição às artes e à cultura da cidade.

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