A imaginação não tem limites
Não há limites para a imaginação dos bons escritores na escolha dos temas e na criação de cenários e personagens de suas histórias. Tanto podem abordar o que existe, enfocado, todavia, por ângulos inusitados, inesperados e originais, quanto o que nunca existiu, mas que poderia (pode?) existir. Ou, então, cuja existência nos pareça impossÃvel (e talvez o seja), mas a que, com seu talento e inventividade, conferem verossimilhança.
De fato, não há limites para a criatividade e, sobretudo, para a imaginação. Alguns escritores, por exemplo, retornam, se não ao princÃpio de tudo, pelo menos ao remotÃssimo passado, quando o homem ainda habitava as cavernas, era rústico e selvagem e mal tomava consciência do que era, onde estava e se apercebia pela primeira vez que podia até se reproduzir, mas que era impotente para evitar a morte. Quão terrÃvel deve ter sido ao primitivÃssimo Homo Sapiens tomar consciência dessa realidade!
Há, todavia, os que “viajam” muito mais, avançam futuro adentro e desvendam ao leitor, em inconsciente exercÃcio profético, um mundo possÃvel, mesmo que improvável. Há, ainda, quem se valha de antiqüÃssimos textos de registros históricos, para inventar personagens, cenários e episódios fictÃcios obviamente (se não, não seria invenção) tendo por pano de fundo pessoas que existiram e acontecimentos que de fato se verificaram. Reitero, não há limites para a criatividade e a imaginação.
Paulo Coelho, por exemplo, inspirou-se na BÃblia, mais especificamente em um pequeno trecho do primeiro livro dos Reis, no Velho Testamento, para escrever um romance instigante e original, de tirar o fôlego: “O Monte Cinco”.
Curiosamente, embora essa obra ficcional tenha esgotado inúmeras edições (afinal, esse escritor deve ser reencarnação de Midas, porquanto faz com que tudo o que toque se transforme em ouro), esse livro não repercutiu, nem na crÃtica especializada e nem nos mais diversos cÃrculos literários. Por que? Talvez por preconceito em relação ao autor, sei lá. Quando se menciona a bibliografia de Paulo Coelho, esse magnÃfico romance nem mesmo é mencionado ou, quando é, a menção ocorre apenas de passagem.
O escritor, em vez de criar novo personagem, como tantos que criou, optou por “recriar” um dos mais misteriosos, instigantes e psicologicamente ricos da tradição bÃblica: o profeta Elias. Certamente tratou-se de um homem excepcional, que se vivesse em nossos dias, frequentaria assiduamente as manchetes da imprensa, mas não por deter e abusar de poder polÃtico, longe disso, todavia pela convicção nos princÃpios morais e espirituais que o norteavam e, sobretudo, pela inabalável fé que tinha, que lhe conferia incomparável coragem. Contudo, não para guerrear, destruir, matar e conquistar povos pelas armas, como Alexandre o Grande, por exemplo, mas para conduzir uma nascente nação aos pés do Deus único, em contraposição aos inúmeros e sanguinários deuses pagãos do seu tempo.
Foi um indivÃduo, certamente, tão carismático, que a BÃblia assegura que jamais conheceu a morte. Paulo Coelho assim se refere a essa “imortalidade”: “Conta a BÃblia que certa tarde, quando conversava com Eliseu – o profeta que nomeara como seu sucessor – um carro de fogo, com cavalos de fogo, os separou um do outro, e Elias subiu aos céus num rodamoinho”. Os que crêem em ETs (e são muitos), interpretam essa passagem como uma das primeiras viagens espaciais humanas.
Paulo Coelho prossegue: “Quase oitocentos anos depois, Jesus convida Pedro, Santiago e João para subirem um monte. Conta o evangelista Mateus que Jesus foi transfigurado diante deles, o seu rosto resplandecia como o sol, e suas vestes tornaram-se brancas como a luz. E eis que apareceram Moisés e Elias falando com Ele”.
O livro de Paulo Coelho, todavia, não se concentra nessa misteriosa viagem do profeta ao além (para onde seria?). Narra outro episódio, este verÃdico e, sobretudo, verossÃmil, ocorrido no século IX a.C. Seu foco é o exÃlio de Elias na FenÃcia (atual LÃbano), para escapar da sanha homicida da rainha Jezabel.
A monarca pagã havia introduzido a adoração a uma infinidade de deuses do seu culto pessoal entre os israelitas, notadamente ao mais popular no Oriente Médio na época: Baal. Determinara que tais divindades fossem cultuadas por toda a população. E banira, em contrapartida, o culto ao Deus único dos hebreus, invisÃvel e sem imagens que o representassem. Foi mais longe: determinou que todos os que se opusessem à s suas ordens fossem sumariamente mortos.
Elias, claro, se opôs e conclamou o povo a fazer o mesmo. Por isso, passou a ser o principal alvo da fúria homicida de Jezabel. Optou pelo exÃlio, com a esperança de voltar, para redimir os israelitas do paganismo e conduzi-los nos caminhos da retidão, justiça e verdade.
Em torno desse episódio real, Paulo Coelho constrói, habilmente, uma história magnÃfica e criativa e, principalmente, verossÃmil. Ou seja, se não aconteceu dessa forma, bem que poderia ter acontecido.
Como de hábito, sempre que comento algum livro, não revelarei também o enredo deste. Recomendo que vocês leiam este romance, com o devido espÃrito crÃtico, mas sem reservas prévias e sem o preconceito que estranhamente cerca esse campeonÃssimo de vendas.
Jornalista, radicado em Campinas, mas nascido em Horizontina, Rio Grande do Sul. Tem carreira iniciada no rádio, em Santo André, no ABC paulista. Escritor, com dois livros publicados e detentor da cadeira de número 14 da Academia Campinense de Letras. Foi agraciado, pela sua obra jornalÃstica, com o tÃtulo de Cidadão Campineiro, em 1993. É um dos jornalistas mais veteranos ainda em atividade em Campinas. Atualmente faz trabalhos como freelancer, é cronista do PlanetaNews.com e mantém o blog pedrobondaczuk.blogspot.com. Pontepretano de coração e autêntico "rato de biblioteca". Recebeu, em julho de 2006, a Medalha Carlos Gomes, da Câmara Municipal de Campinas, por sua contribuição à s artes e à cultura da cidade.
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