Educadores potenciais

O educador tem tarefa das mais importantes, que não se limita a uma única pessoa, único grupo, ou única geração, mas que se estende por todos outros. Compete-lhe transmitir experiências, princípios, virtudes, comportamentos, descobertas e valores que se perpetuem e tornem as pessoas melhores, mais seguras, abnegadas, justas e solidárias. Sua missão não se restringe à simples transmissão de conhecimentos. Não se deve, pois, confundir o educador com o professor. O último pode exercer a tarefa do primeiro, não, contudo, com exclusividade. Há diferenças profundas entre educar e meramente instruir. E não se trata, só, de mero preciosismo semântico.

O educador caracteriza-se pelo desenvolvimento e consolidação de saudáveis e construtivos comportamentos – individuais e coletivos – nos educandos. Pais, mestres, sacerdotes, líderes comunitários, jornalistas, escritores etc. são, todos. educadores em potencial. E nem é preciso que o sujeito seja letrado para tal. Pode ser analfabeto, não distinguir o “o” do “u”, mas se contar com princípios de boa conduta e higiene e cultivar valores testados pelo tempo, exercerá essa missão com a mesma competência (ou, quem sabe, maior) do que a de um doutor, com dezenas de títulos acadêmicos.

Os educadores são os verdadeiros construtores do futuro quando exercem com consciência e assiduidade essa missão educativa. Quem exerce esse papel é o sublime semeador de esperanças, que lança, cotidianamente, sementes e mais sementes, no solo (nem sempre fértil) das mentes e dos corações dos futuros líderes. Carrol Lewis afirmou a respeito: “A tarefa do educador moderno não é derrubar florestas, mas irrigar desertos”. Ou seja, é transformar mentalidades estéreis e esturricadas em férteis e produtivos campos, em que brotem saudáveis florestas de solidariedade e de amor.

“Não cabe ao professor a tarefa de educar?”, perguntará, perplexo e um tanto confuso, o curioso leitor, convicto de que estou equivocado a esse propósito. Não estou. Pode, de fato, caber-lhe “também” essa missão, mas não se trata de sua função específica, e muito menos exclusiva, como o vulgo supõe. Afinal, o que vem a ser, de fato, um “professor”? Por definição, é o que “professa” alguma idéia, conceito, filosofia ou ideologia. Para melhor entendimento, é preciso recorrer ao dicionário. Escolhi o Michaelis de língua portuguesa (como poderia ter escolhido o Aurélio que daria na mesma), para esclarecer a questão.

O verbo professar, de onde deriva a palavra “professor” (o que professa), tem dez significados. Vamos a eles?

1. Reconhecer ou confessar publicamente. Exemplo: professar uma doutrina ou uma opinião (Provou com obras a amizade que me professava).
2. Ensinar como professor. Exemplo: professar matemática.
3. Ter a convicção de. Exemplo: professar idéias fraternistas.
4. Fazer propaganda de; preconizar. Exemplo: Professar a verdade e advogar o bem.
5. Pôr em prática. Exemplo: Ele professa as idéias que prega.
6. Exercer uma profissão; dedicar-se a uma arte. Exemplo: Professar a medicina.
7. Abraçar ou declarar-se devoto ou adepto (de uma doutrina, uma religião, uma seita, um partido). Exemplo: Professa publicamente o cristianismo.
8. Proferir votos, ligando-se a uma doutrina, a uma ordem religiosa, a uma religião. Exemplo: Professara no catolicismo. (“Não professaste, és livre, podes dar-lhe a mão” – Rebelo da Silva).
9. Prometer, jurar. Exemplo: Professar amizade a alguém.
10. Ter, manter (afeição, amizade). Exemplo: Salomão, com quem professas amizade (Mário Barreto).

Viram? Professor é o que faz tudo isso e não apenas, ou especificamente, o que ensina, instrui e eventualmente educa. Já o educador pode (e deve) ser você, ser eu, ser o padre da sua paróquia, o pastor da sua igreja, o escritor que lida com conceitos etc. etc.etc. Sua ferramenta é a persuasão, a capacidade de convencimento e, não raro, o exemplo. Afinal, nada do que se impõe pela força prospera, dura e produz bons efeitos de longo prazo. Em princípio pode, até, parecer que é eficaz. Não passa, todavia, de ilusão.

Educar, pois, não é impor, como até recentemente se pensava (muitos ainda pensam), mas é, sobretudo, convencer, conquistar corações e mentes e persuadir. O educador que não tem isso como norma não está preparado para essa magna tarefa. Tem que ser educado antes de pensar e de se propor a educar. Frank Clark constatou: “Pode-se levar uma eternidade para conquistar o espírito do homem pela persuasão, mas ainda assim é mais rápido do que conquistá-lo pela força”. Eu acrescentaria que não só é o meio mais rápido, como o único verdadeiramente eficaz. Se quem educa não tem argumentos para persuadir o educando da correção do que quer transmitir, é porque não tem convicção a respeito. Em vez de educar, reitero, precisa ser educado.

É verdade que é virtualmente impossível exercermos qualquer influência benéfica no comportamento social do mundo todo, por mais sábios e famosos que sejamos, dada sua vastidão confrontada com nossa pequenez, fragilidade, e efemeridade. Mas isso não é pretexto para a omissão. Se não podemos mudar comportamentos viciosos e daninhos da nossa cidade, Estado, país ou de um continente, podemos (e devemos) fazê-lo ao nosso redor: na nossa casa, nossa rua, nosso quarteirão ou nosso bairro.

Isso requer, antes e acima de tudo, sinceridade e dedicação da nossa parte. E, principalmente, ação. Ou seja, atitudes e exemplos. Simples palavras, desacompanhadas de atos, em nada resultam. O pensador japonês Daisaku Ikeda constata a propósito: “Quando uma pessoa é sincera na consideração pelos outros, mesmo nos assuntos mais banais, então poderá provocar uma modificação completa no mundo que a cerca”. Isto é, salvo raríssimas exceções, o máximo que podemos fazer. Façamo-lo, no entanto, com constância, diligência e competência. E, sobretudo, com sinceridade. Não abramos mão do nosso potencial de educadores!





Jornalista, radicado em Campinas, mas nascido em Horizontina, Rio Grande do Sul. Tem carreira iniciada no rádio, em Santo André, no ABC paulista. Escritor, com dois livros publicados e detentor da cadeira de número 14 da Academia Campinense de Letras. Foi agraciado, pela sua obra jornalística, com o título de Cidadão Campineiro, em 1993. É um dos jornalistas mais veteranos ainda em atividade em Campinas. Atualmente faz trabalhos como freelancer, é cronista do PlanetaNews.com e mantém o blog pedrobondaczuk.blogspot.com. Pontepretano de coração e autêntico "rato de biblioteca". Recebeu, em julho de 2006, a Medalha Carlos Gomes, da Câmara Municipal de Campinas, por sua contribuição às artes e à cultura da cidade.

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