Natureza inspiradora

A poesia é, dos gêneros literários, o mais procurado pelos que querem expressar sentimentos. Contudo, é o menos entendido de todos. Qualquer garoto imberbe, sem muita noção da vida, apaixonado pela primeira vez, quando quer se “exibir” à amada, não escreve (salvo raríssimas exceções) conto, crônica ou romance para esse fim. Certamente, imaturo como é, não saberia como usar esses requintados meios de expressão para revelar o que sente (que na maioria das vezes não passa de mera ebulição de testoterona).

Contudo, esse projeto de adulto acha-se, quase sempre, um “poeta”. Evidentemente, não é. Esses versinhos ingênuos, óbvios, rimados e com rimas paupérrimas, podem ser tudo, menos poesia. Claro que sua musa inspiradora, se dotada de idêntica inquietação, irá achá-los “o máximo”, como se fossem versos de um Rimbaud, ou Verlaine ou de outro exímio poeta qualquer.

Nosso adolescente, como se vê, recorre exatamente ao gênero mais complexo e difícil, precursor não apenas da literatura, mas até mesmo da escrita – por milênios foi a forma das sociedades ágrafas transmitirem experiências e tradições – que, no meu entender, é o único que requer talento inato para ser exercido. Depende exclusivamente de vocação. Ou o sujeito tem alma de poeta e nasceu com tal talento, ou não tem e nunca terá, por mais que domine a gramática e a técnica da arte de compor.

Noel Rosa já dizia, na letra de uma de suas mais inspiradas canções, que “o samba não se aprende no colégio”. Fazer poesia também não. Confundem-se, amiúde, versos canhestros e mal ajambrados, escritos no calor de uma paixão, não raro ingênuos e piegas, com a arte de um Homero, Horácio, Ovídio, Virgílio, Dante, Camões, Shelley, Hugo e vai por aí afora.

A poesia tem o dom de transformar o cenário mais horrendo, num painel de beleza. Só através dela é possível vislumbrar, num pântano cinzento e apodrecido, a brancura imaculada de um solitário lírio. Ela transforma, num passe de mágica, num surpreendente “abracadabra”, a mais sombria paisagem em um mundo de encanto e fantasia. Por suas lentes mágicas e positivas podemos vislumbrar, numa suja poça de água, o reflexo da lua e das estrelas, numa noite clara de verão.

A poesia não só trata das “dores do mundo” (embora trate também), como as atenua e conforta. O poeta venezuelano, Eugênio Montejo, escreve, a propósito, em seu poema “A Poesia”: “A poesia cruza a terra só/apóia sua voz na dor do mundo/e nada pede/nem mesmo palavras.//Vem de longe e sem hora, nunca avisa/tem a chave da porta./Ao entrar sempre se detém a mirar-nos./Depois abre a mão e nos entrega/uma flor, um canto rodado algo secreto,/mas tão intenso que o coração palpita/demasiado veloz. E despertamos”.

Não há, contudo, poesia latente nas coisas, pessoas, paisagens e outros seres vivos e sequer no universo. Ela não é como os frutos maduros de uma árvore cujo único trabalho que tenhamos seja o de colhê-los para o nosso deleite e satisfação e dos que queiram, saibam e possam apreciá-la.. Não é assim que as coisas funcionam.

Tudo o que nos cerca é o que é, tanto para nós quanto para qualquer outro. Há poesia (ou não há) somente dentro de nós. Ela nasce (ou não nasce) em nosso íntimo, na maneira como nos encaramos e como vemos tudo o que nos rodeia: pedra ou água, treva ou luz, pessoas ou flores, insetos ou animais. É da nossa sensibilidade e talento que nascem as metáforas, os versos, as rimas, a métrica, enfim, o poema.

O poeta é um criador, que do barro imundo molda transcendências. Uma das minhas maiores satisfações, físicas e espirituais, é o contato com a natureza. É, por exemplo, um passeio despreocupado por um bosque, com todos os sentidos alertas, usufruindo do aroma das flores, do canto dos pássaros, do frescor da sombra e do sabor exótico dos frutos silvestres. Ou é a caminhada preguiçosa e sem rumo por um jardim florido, com a explosão de cores, em cada canteiro, ao meu redor. Essa é a minha fonte de inspiração.

Claro que o que tenho para expressar está em mim, não no mundo. É um sentimento em geral adormecido, mas pronto para ser despertado a qualquer instante. E é a beleza o despertador da minha sensibilidade. Concordo com Le Corbusier quando diz: “A poesia está no coração dos homens; por isso, é preciso se abrir para as alegrias da natureza”. Temos que cuidar dela! Somos suas partes integrantes. Sem ela, ou com ela devastada, certamente não sobreviveremos. Morreremos de inanição, física e espiritual: de beleza. E com ela, certamente, morrerá também a poesia.





Jornalista, radicado em Campinas, mas nascido em Horizontina, Rio Grande do Sul. Tem carreira iniciada no rádio, em Santo André, no ABC paulista. Escritor, com dois livros publicados e detentor da cadeira de número 14 da Academia Campinense de Letras. Foi agraciado, pela sua obra jornalística, com o título de Cidadão Campineiro, em 1993. É um dos jornalistas mais veteranos ainda em atividade em Campinas. Atualmente faz trabalhos como freelancer, é cronista do PlanetaNews.com e mantém o blog pedrobondaczuk.blogspot.com. Pontepretano de coração e autêntico "rato de biblioteca". Recebeu, em julho de 2006, a Medalha Carlos Gomes, da Câmara Municipal de Campinas, por sua contribuição às artes e à cultura da cidade.

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