Quando a mentira vira brincadeira

O ex-primeiro-ministro britânico Winston Churchill – que, entre outras façanhas, liderou a Grã-Bretanha (e as forças que se opunham às potências do Eixo), durante a Segunda Guerra Mundial, na resistência do seu povo às tentativas das tropas nazistas de invadirem a ilha – célebre, também, por suas tiradas e frases de efeito, afirmou, em certa ocasião: “Uma mentira dá uma volta inteira ao mundo antes mesmo de a verdade ter oportunidade de se vestir”.

Bem, exageros a parte, embora se trate de expressão metafórica, essa afirmação não deixa de ser pelo menos verossímil. Talvez seja exagerada ao se referir a tamanha velocidade, que rivaliza com a da luz. Talvez peque pela generalização. Mas... sem ser dogmático, parece-me que, na maior parte dos casos, a mentira se espalha, mesmo, com muito maior velocidade do que uma informação verdadeira. Por que? Por tolice, distração, credulidade e vai por aí afora.

Claro que, para que a mentira se imponha e prevaleça, há algumas exigências a cumprir. A principal é que aquilo que é falso, mas que se quer convencer alguém (ou “alguéns”) que seja verídico, não pode ser tão absurdo e impossível a ponto de não convencer nem o mais crédulo dos crédulos. Tem que ter ao menos uma pontinha de verdade. Ou aparentar tal. O maior instrumento de engano não é a mentira explícita. Esta é facilmente identificada e desmascarada. É, sim, a meia verdade. Esta é que é um perigo! Tende a enganar espertos e sábios, mesmo que não sejam ingênuos. Enfim...
Acho pitoresco o fato de a verdade – tão apregoada aos quatro ventos como a que deve sempre se impor e prevalecer, mas que a maioria dos seus supostos arautos sequer saiba definir com relativa precisão no que consiste ou o que entende como tal – tida e havida como magna virtude, não ter um dia específico para ser comemorada. Já a mentira...Bem, esta, ano após ano, em todo 1º de abril, é, invariavelmente, lembrada. Nessa data específica, requer-se cuidado dobrado para não incorrermos em engano ao recebermos alguma informação. Até os mais espertos e bem informados, em momentos de distração, são “enganados”, e passam por tolos, acreditando em alguma bem elaborada “broma”, como dizem os que falam o espanhol.
Como surgiu esse costume? Bem, há várias explicações. A que me pareceu mais plausível, é a versão da enciclopédia eletrônica Wikipédia (e, espero, que ela não esteja aplicando nos leitores, e em mim claro, um magnífico 1º de abril). De acordo com essa fonte, a brincadeira surgiu na França e daí se espalhou pelo resto da Europa e pelo mundo (ou parte dele, sei lá). A “broma” teria se originado da troca de calendários. Até 1564, o adotado era o “Juliano”. Por ele, o Ano Novo era celebrado em 25 de março. Os festejos estendiam-se por uma semana e terminavam em 1º de abril. Isso já durava séculos e estava incorporado ao costume dos povos. A celebração acontecia nessa data por marcar o início da Primavera no Hemisfério Norte.

Todavia, em 1564, o rei Carlos IX, da França, determinou que o país, doravante, adotaria o novo calendário, o gregoriano, o que nos norteia até os dias atuais. Com isso, óbvio, o Ano Novo passaria a ser celebrado em cada 1º de janeiro. Houve resistências à medida. Muitos franceses, que se diziam e se consideravam “conservadores” ou “tradicionalistas”, continuaram comemorando o início dos anos no período de sete dias – e não num só dia, como hoje – na semana de 25 de março a 1º de abril.

Os que se submeteram sem contestações ao decreto real – que se consideravam “avançados”, “modernos”, com mente aberta a novas idéias e vai por aí afora – cismaram de escarnecer com os que resistiam à mudança. Para ridicularizá-los, passaram a enviar “presentes” no mínimo esquisitos para eles, ou então “convites” para festas inexistentes. E tudo terminava em enormes gargalhadas da parte dos brincalhões. Quanto aos enganados... bem, nem todos recebiam a brincadeira numa boa. Os autores dessas “bromas” (como vêem, gostei da expressão espanhola) denominavam essa galhofa de 1º de abril de “plaisanteries”. Hoje, os franceses apelidam o dia da mentira de “poisson s’avril” (peixe de abril), em referência à ínfima dimensão do cérebro dos peixes.

Aliás, na Itália, a data é conhecida pelo mesmo nome (mas em italiano, claro): “pesce d’aprile”. Pois é, quando caímos numa mentira de 1º de abril somos considerados “peixes”, pelo menos por franceses e italianos. Poderia ser pior. Para os ingleses, a data é o tradicional “April Foul’s Day”. Creio nem ser necessário traduzir o que isso significa. É isso mesmo que vocês estão pensando. Ou seja, é “Dia de Abril dos Tolos”. Se não houver maneira de escapar de rotulações (temo que não haja), prefiro ser chamado de peixe e não de bobalhão (embora não me considere nem uma coisa e nem outra).

Pessoas, digamos, mais práticas, aprenderam a fazer limonada com os limões que lhes atiravam. Incorporaram o 1º de abril ao calendário folclórico e faturam com ele. São muitas as cidades brasileiras que instituíram festivais anuais da mentira, realizados, claro, nessa específica data. E neles aparece cada mentiroso! Convenhamos: é preciso muita criatividade para mentir com verossimilhança, ou seja, com todo o aspecto de verdade, e sem ficar vermelho. E haja mentiroso criativo!

Lógico que meu objetivo, aqui, não é o de discutir a moralidade ou imoralidade dessa atitude ou até seu aspecto criminal (há casos em que a mentira é classificada como crime). Fico no terreno, apenas, do costume. E este resiste há quase 500 anos e, com o advento da internet, tende a se consolidar ainda mais.

Só espero que os leitores não sejam desconfiados compulsivos e não achem que o teor dessas reflexões seja um big 1º de abril da minha parte. Afinal, entre minhas “habilidades” (ou “imoralidades”?) não se inclui a de mentiroso contumaz (sequer ocasional), com cara de pau suficiente para enganar incautos. E um alerta neste 1º de abril: muito cuidado com o que lhe contarem hoje. Pode se tratar da mais deslavada mentira! A menos, claro, que você não se importe em ser tido e havido por “peixe” , quando não por “tolo”, que no frigir dos ovos acaba sendo a mesma coisa.





Jornalista, radicado em Campinas, mas nascido em Horizontina, Rio Grande do Sul. Tem carreira iniciada no rádio, em Santo André, no ABC paulista. Escritor, com dois livros publicados e detentor da cadeira de número 14 da Academia Campinense de Letras. Foi agraciado, pela sua obra jornalística, com o título de Cidadão Campineiro, em 1993. É um dos jornalistas mais veteranos ainda em atividade em Campinas. Atualmente faz trabalhos como freelancer, é cronista do PlanetaNews.com e mantém o blog pedrobondaczuk.blogspot.com. Pontepretano de coração e autêntico "rato de biblioteca". Recebeu, em julho de 2006, a Medalha Carlos Gomes, da Câmara Municipal de Campinas, por sua contribuição às artes e à cultura da cidade.

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