Reflexões sobre as raízes da violência

A violência, em todas suas inúmeras formas de manifestação, sempre me intrigou. Ela está presente em todos os momentos da nossa vida, desde o nascimento até a morte, que é seu ápice, clímax, suprassumo. Como seres inteligentes que somos, não nos conformamos com nossa mortalidade. Rebelamo-nos quanto á nossa condição animal, já que contamos com um fator único, exclusivo. que nenhum outro ser vivo tem: a inteligência. Ou seja – conforme o verdadeiro significado desse conceito – temos a capacidade ímpar de entender o que nos cerca e que, de uma forma ou de outra, nos afete. Claro, trata-se de potencial. Nem tudo o que vemos, ouvimos, pensamos ou sentimos nos é totalmente inteligível. Desconfio que a maior parte não o seja.

A violência, de uma forma ou de outra, como incômoda realidade da vida, é onipresente na literatura. Não há romance, conto, novela e mesmo poesia em que, ou ostensivamente, ou por remota sugestão, ela não se faça presente. Os mínimos atos do cotidiano, se devidamente analisados, envolvem episódios violentos. Por exemplo, não nos alimentamos de minerais, embora muitos deles sejam indispensáveis à nossa sobrevivência e se façam presentes nos alimentos que comemos. Ingerimos “seres vivos” (animais e vegetais) que, claro, antes da ingestão são mortos, para não morrermos de inanição. E matar, seja lá o que for, não é violência? É o ato mais violento que há!!! E fazemos isso até por instinto, porquanto a natureza nos “programou” para tal e nos compele a fazê-lo, sem dor de consciência.

É tolice, da minha parte, me incomodar com isso? Até pode ser (provavelmente, é). Mas minha fração inteligente, a que “duela” sem cessar com os instintos naturais, na tentativa de domá-los e de direcioná-los no rumo que considera adequado, rebela-se com isso. Creio que, em intensidades variáveis, de acordo com a personalidade, a formação intelectual e moral e a visão de vida de cada um, todos, mesmo que inconscientemente, se incomodem com essa selvagem realidade, entendendo, ou desconfiando, que ela poderia ser diferente. Talvez pudesse... mas não é.

Há inúmeras formas de violência, que não sejam as físicas, e que são tão intoleráveis quanto as que se manifestam por agressões, ferimentos e, em última instância, mortes. A injúria é uma delas. O preconceito, seja lá do que for, é outra. Os ataques verbais, morais, constituem-se numa terceira forma. Algumas outras maneiras são a miséria, a exploração do próximo em quaisquer de suas formas, a humilhação, a supressão de bens alheios e vai por aí afora, em uma imensa relação de formas, que testemunhamos (ou de que somos vítimas) a todo o momento. Mas a violência mais comum é a que se verifica nas grandes cidades (embora não só nelas) representada por roubos, furtos, seqüestros, brigas domésticas e....assassinatos, claro. Refiro-me, pois, à criminalidade Os estopins que a detonam são diversos e a sociedade discute formas e formas de, se não eliminá-la, atenuá-la bastante. Em vão.


É uma atitude demasiadamente simplista, por exemplo, atribuir a violência criminosa apenas à miséria, como muitos fazem. A todo o momento vemos pessoas, em especial jovens da classe média, com invejável padrão de vida, praticando assassinatos pelos motivos mais fúteis e banais que se possam conceber. É fácil e cômodo não levar a violência em conta quando nós não somos os atingidos. Por isso, a maioria permanece indiferente ao problema, em atitude egoísta e cômoda de omissão, que nada constrói. Somente nos damos conta da brutalidade de determinados atos quando a vítima somos nós, ou é alguma pessoa que amamos ou das nossas relações.

A grande causa da multiplicação desses casos não é, portanto, econômica, embora a carência leve muita gente ao desespero, à marginalidade e à prática de delitos. Sequer se restringe a eventuais falhas no aparato de segurança pública. Em geral, as soluções são cobradas por esse lado. Exigem-se mais punições contra os infratores – há quem defenda a pena de morte – e maior policiamento ostensivo para prevenir os crimes. Tudo isso, no entanto, é paliativo. Ajuda, mas não resolve. O que é preciso é ir à raiz do problema. E esta localiza-se na desvalorização da vida – a própria e, conseqüentemente, com maior facilidade, a dos semelhantes. A onda de permissividade que varre o mundo liberta, no homem, seu lado pior, mais perverso, seu instinto de fera, o aspecto irracional de sua animalidade.

O que é necessário não são apenas mais leis, ou punições mais severas, ou maior policiamento. Tudo isso pode ajudar a reduzir a escalada da violência, mas é insuficiente para acabar com ela. Caso não se mude a mentalidade vigente, teremos que nos acostumar a nos proteger como pudermos da "lei da selva" que já vigora nas cidades. Torna-se indispensável, em princípio, reduzir as proporções das grandes aglomerações urbanas, com a adoção de uma política agrária consistente, séria, não-demagógica, que reverta o êxodo das zonas rurais para os centros urbanos.

Algumas megalópoles, como a Cidade do México, Nova York, Tóquio, Londres ou São Paulo, abrigam, em seus territórios, populações superiores às de dezenas de países. Nem é preciso ser sociólogo ou antropólogo para concluir que isso é irracional, insalubre e absurdo. Não me atrevo a afirmar, por isso, que a miséria seja a única causa (ou até mesmo a principal) da criminalidade. Concordo com o historiador inglês, Paul Johnson, quando diz que, afirmar isso, seria “tremenda injustiça com os pobres”.

As grandes concentrações urbanas, características do nosso tempo, são insanas, sob todos os aspectos, e impróprias para uma vida civilizada plena. O historiador inglês Arnold Toynbee chegou a essa mesma conclusão. O pensador japonês Daisaku Ikeda também condenou essa forma de vida, em que as pessoas permanecem “encaixotadas”, sem aquele espaço vital mínimo, imposto pela própria natureza, que todos precisamos.

Eça de Queiroz, no romance “A Cidade e a Serra”, diz que em tais aglomerações o homem perde “a força e a beleza”. E acrescenta: “Na cidade, findou sua liberdade moral; cada manhã ela lhe impõe uma necessidade, e cada necessidade arremessa para uma dependência: pobre e subalterno, a sua vida é um constante solicitar, adular, vergar, rastejar, aturar; rico e superior...A sociedade logo o enreda em tradições, preceitos, etiquetas, cerimônias, praxes, ritos, serviços mais disciplinares que os dum cárcere ou dum quartel...A sua tranqüilidade, onde está?”

Até porque, como disse o notável ex-presidente da República Checa, Vaclav Havel, talentoso homem de letras e emérito pensador: “A salvação deste mundo humano está no coração humano e em nenhum outro lugar”. E não está? Só o homem – todos os homens, sem exceção – pode erradicar a violência, inscrita, inclusive, nos seus genes, por capricho da natureza ou... Ou ser destruído por ela, tanto como indivíduo, quanto, e principalmente, como espécie.





Jornalista, radicado em Campinas, mas nascido em Horizontina, Rio Grande do Sul. Tem carreira iniciada no rádio, em Santo André, no ABC paulista. Escritor, com dois livros publicados e detentor da cadeira de número 14 da Academia Campinense de Letras. Foi agraciado, pela sua obra jornalística, com o título de Cidadão Campineiro, em 1993. É um dos jornalistas mais veteranos ainda em atividade em Campinas. Atualmente faz trabalhos como freelancer, é cronista do PlanetaNews.com e mantém o blog pedrobondaczuk.blogspot.com. Pontepretano de coração e autêntico "rato de biblioteca". Recebeu, em julho de 2006, a Medalha Carlos Gomes, da Câmara Municipal de Campinas, por sua contribuição às artes e à cultura da cidade.

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