Mistérios e absurdos
A fé é confundida, pela imensa maioria das pessoas, com mera “credulidade”, confusão essa que a banaliza e a diminui. Quem a faz, mete na cabeça uma série de crendices, algumas absurdas e irracionais, e se apega fanaticamente a ela, como se fosse o suprassumo da verdade. Há, até, quem seja capaz de matar para impor sua crença, que considera absoluta e inquestionável. Esses absurdos, queiram ou não, são, na verdade, a negação da fé. Não é e nem pode ser sua essência.
Não é, por exemplo, o comportamento de indivÃduos racionais, que usam o que Deus lhes deu de mais precioso para tentarem chegar à compreensão do pouquÃssimo que pode ser compreendido (o que é Ãnfimo por sinal) por nós, humanos: o raciocÃnio.
Blaisé Pascal afirmou, certa feita: “Com a fé vejo mistérios, sem a fé vejo absurdos”. Todas as pessoas que pensam chegam a determinadas reflexões que se constituem em becos sem saÃda. Ninguém conseguiu até hoje, por exemplo, responder de forma convincente e cabal, sem deixar espaço para a mÃnima dúvida, à s três questões essenciais da nossa espécie: “O que sou? De onde venho? Para onde vou?”. E olhem que milhões de pensadores já tentaram, em vão.
Claro que essas perguntas suscitam outras, muitas outras, e não tarda em nos emaranharmos num amontoado de novas e novas questões, que fazem com que tudo pareça um infinito e monumental absurdo. O mesmo Pascal, em magnÃfico ensaio, intitulado “O homem e a natureza” (cuja leitura recomendo aos que gostam de pensar por si sós e se recusam a serem induzidos por charlatães), escreveu: “... Considerando que no que vejo há mais aparência do que outra coisa, procuro descobrir se Deus não deixou algum sinal próprio. O silêncio eterno desses espaços infinitos me apavora. Quantos reinos nos ignoram! Por que são limitados meus conhecimento, minha estatura, a duração de minha vida a cem anos e não a mil? Que motivos levaram a natureza a fazer-me assim, a escolher esse número em lugar de outro qualquer, desde que na infinidade dos números não há razões para tal preferência, nem nada que seja preferÃvel a nada?”.
Sim, amigos, por que? Mistérios, não é verdade? E consideramo-los assim “apenas” porque acreditamos na existência de um Deus, tão poderoso e sábio que criou esta infinidade de mundos, que a mente humana jamais apreenderá quantos, de fato, são, todos adstritos a leis lógicas, tão perfeitas, que até a mente pequenina deste tão miserável e Ãnfimo ser, que é o homem, consegue apreender.
A fé, para merecer esse nome, tem que ter uma base lógica e racional. Caso contrário, corremos o risco de descambar para a mera “crendice”, sem pé e nem cabeça, que só nos manterá em confusão e obscuridade. Daà exigir-se muito cuidado com a crença irrestrita e inquestionável no que determinados “lÃderes religiosos” pregam. De onde eles tiraram os dogmas que tentam impor (e de fato impõem) aos incautos? “Ah, foi inspiração divina”, dirão os crédulos.
Por que, pois, Deus, todo-poderoso – tanto que criou esta infinidade de mundos com tamanha perfeição – escolheria “aquela” determinada pessoa especÃfica, e não outra qualquer, para lhe revelar os mistérios da Criação? Sim, por que?
Antes que alguém erga seu dedo acusador e me chame de ateu, esclareço: “não o sou!”. Muito pelo contrário! E nem poderia ser! Não posso negar uma evidência tão óbvia! Procuro usar, isto sim, o que de mais nobre e eficaz meu Criador me outorgou, ou seja, o raciocÃnio. Tenho fé, sim, e muita. Mas apenas no Infinito e Eterno, fonte de toda a sabedoria e vida, onipotente, onipresente e onisciente. Por isso, considero tudo o que não entendo (e, a rigor, não entendo nada), um mistério e não o tremendo absurdo que parece ser.
Minha vida tem que ter algum sentido, mas qual? Mistério! Considero-o assim, porém, exclusivamente porque tenho fé. Não tivesse, as evidências (que raramente se constituem, em verdade, mesmo que aparentem ser) me levariam a considerar minha existência grande absurdo. Sobre isso, talvez, nunca encontre explicação, embora deva sempre tentar, tentar e tentar enquanto tiver mais alguns parquÃssimos anos de vida. Afinal, o Criador deu-me a faculdade de pensar para isso.
“Cogito, ergo sum! (Penso, logo existo!”). Mas de onde se originou a vida para que eu tivesse, neste preciso tempo e não em outro qualquer, a oportunidade de usufruÃ-la? A fé faz com que considere isso um mistério. Sem ela, essa realidade não passaria de absurdo. Afinal, para que nascemos se ao cabo de um tempo tão Ãnfimo morremos e de nós restem só lembranças (quando restam) e uma ou outra obra que eventualmente sobreviva ao tempo e ao esquecimento? Quer absurdo maior do que este? Sem a fé, de fato o é.
Jornalista, radicado em Campinas, mas nascido em Horizontina, Rio Grande do Sul. Tem carreira iniciada no rádio, em Santo André, no ABC paulista. Escritor, com dois livros publicados e detentor da cadeira de número 14 da Academia Campinense de Letras. Foi agraciado, pela sua obra jornalÃstica, com o tÃtulo de Cidadão Campineiro, em 1993. É um dos jornalistas mais veteranos ainda em atividade em Campinas. Atualmente faz trabalhos como freelancer, é cronista do PlanetaNews.com e mantém o blog pedrobondaczuk.blogspot.com. Pontepretano de coração e autêntico "rato de biblioteca". Recebeu, em julho de 2006, a Medalha Carlos Gomes, da Câmara Municipal de Campinas, por sua contribuição à s artes e à cultura da cidade.
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