Feixe de influências

O ser humano (portanto eu, você, a minha mulher, a sua, seu marido caso você seja de sexo feminino, meu vizinho, seu vizinho, aquela pessoa com que cruzamos casualmente na rua, no ônibus, no trem ou no metrô etc.etc.etc.) é um animal gregário. Nosso instinto de sobrevivência nos leva, automaticamente, a nos vincularmos a vários grupos desde nosso nascimento – família, colegas de escola e de trabalho, clubes sociais ou de futebol e vai por aí afora – vínculos estes nem sempre dependentes da nossa vontade. A maioria, aliás, ocorre casualmente, ao sabor das circunstâncias.

Estabelecemos com o próximo toda a sorte de relacionamentos, alguns profundos e duradouros, outros ocasionais e passageiros. E estes determinam, ao fim e ao cabo, o que somos e o que seremos. Esses contatos nem precisam ser pessoais ou até com contemporâneos. Exemplo? Grande parte do que sou e do que penso foi influenciada por escritores a cujos livros tive acesso, a maioria morta muito antes de eu nascer e a quase totalidade sem que eu tivesse a mais remota possibilidade de qualquer contato pessoal, mesmo que fortuito. No entanto...

Li, tempos atrás, a esse propósito, em uma crônica publicada no Suplemento Literário de O Estado de São Paulo (se não me falha a memória, datada de 1961), a seguinte observação do escritor Mário da silva Brito, que anotei e até já escrevi um ensaio a respeito: "Nunca fui eu só, ou só eu. Mas todos os outros. Os antepassados, os que me rodeiam, os que pertencem ao meu tempo. Os que amo e até os desconhecidos. Estou feito de pedaços. Sou uma soma de múltiplas parcelas humanas. Consigo somar até quantidades heterogêneas". Convenhamos, todos somos assim.

Nosso próximo tende a nos enriquecer ou a nos corromper, a ampliar nossos horizontes ou a reduzi-los ao mínimo e a estimular em nós o espírito de competição, sem o qual, desde que sadio, ninguém se sente motivado para qualquer realização (mesmo quando se opõe a nós). Ou há alguma impropriedade nesse raciocínio? Não o creio. O filósofo, pedagogo e escritor norte-americano John Dewey (1859-1952) constatou, em um de seus textos, que "os homens vivem em comunidade em virtude das coisas que têm em comum; e a comunicação é o meio por que chegam a possuir coisas em comum".

Só que, se comunicar, é via de duas mãos. Ou seja, é contínuo dar e receber de informações e de influências (boas ou más). E é isto o que está faltando nos dias de hoje, tornando as pessoas tão solitárias, arredias e carentes. Fechamo-nos, muitas vezes, para o mundo, julgando-nos auto-suficientes. Reitero: ninguém o é, Todos precisam de todos e o tempo todo. Daí haver a vida em comunidade, fator essencial da sobrevivência da espécie e da evolução mental, espiritual e até física do ser humano (mas da sua involução, degradação e até riscos de extinção também, dependendo do grupo em que as circunstâncias hajam determinado a que fôssemos inseridos).

Nenhum homem é, e nem pode ser, uma ilha. Somos, todos, sem exceção, partes de imenso continente: a humanidade. Temos que partilhar idéias, emoções, sentimentos e intenções, mediante contínua e eficaz comunicação, em ininterrupto processo de dar e receber. Todavia, temos que nos precaver contra influências nefastas, hábitos perniciosos, exemplos nefastos e comportamentos destrutivos. Afinal, não recebemos, apenas, influências boas. Cabe-nos discernir o que deve e o que não deve ser incorporado à nossa personalidade.

Ninguém tem a capacidade de ler pensamentos. Se não os comunicarmos clara e eficazmente ao próximo, este jamais saberá o que queremos ou o que necessitamos. O isolamento, portanto, além de antinatural, é, muitas vezes, destrutivo e pernicioso, tanto no plano individual, quanto no coletivo. Assim como o relacionamento descuidado, claro. A escritora norte-americana Shakti Gawain (cujo nome de batismo é Carol Louise Gawain), observou a propósito: “As pessoas com as quais nos relacionamos são sempre um espelho refletindo nossas próprias crenças, e simultaneamente nós somos espelhos refletindo as delas. Assim o relacionamento é uma das mais poderosas ferramentas para o desenvolvimento – se olharmos honestamente para nossos relacionamentos, nós conseguiremos ver muito sobre como nós os criamos”. Em suma: somos um feixe de influências, para o bem ou para o mal.





Jornalista, radicado em Campinas, mas nascido em Horizontina, Rio Grande do Sul. Tem carreira iniciada no rádio, em Santo André, no ABC paulista. Escritor, com dois livros publicados e detentor da cadeira de número 14 da Academia Campinense de Letras. Foi agraciado, pela sua obra jornalística, com o título de Cidadão Campineiro, em 1993. É um dos jornalistas mais veteranos ainda em atividade em Campinas. Atualmente faz trabalhos como freelancer, é cronista do PlanetaNews.com e mantém o blog pedrobondaczuk.blogspot.com. Pontepretano de coração e autêntico "rato de biblioteca". Recebeu, em julho de 2006, a Medalha Carlos Gomes, da Câmara Municipal de Campinas, por sua contribuição às artes e à cultura da cidade.

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