Liberdade de Verão

Um médico otorrinolaringologista esses tempos falava das alergias a que somos expostos desde que nascemos. Sem dar-se por preocupado com a audiência, levantou uma curiosa ideia, possivelmente fruto de pesquisas e boas leituras não acadêmicas, pois dizia ele: a liberdade do homem está na cela das cidades, e é sem essas celas que até hoje ninguém conseguiu provar melhor lugar a se viver, e concluía, enfático: estamos, portanto, condenados às doenças que as prisões de aslfato e concreto nos brindam.

Que explicação! O doutor, querendo, quem sabe, fazer do pensamento do paciente um esteio de tranquilidade ou algo parecido, afinal este deveria usar a medicação anti-alérgica pelo resto do seus dias, terminou por apresentar um libelo da antropologia e da filosofia.

Na saída do consultório, seguindo pela rua quase vazia na busca de um café - e, perceba, amigo e amiga leitores, eram como 15 horas de um dia útil no centro da cidade - dei curso àquela cara opinião sobre liberdade, oferecida através de um plano médico.

Pois a liberdade nos é cara e nos faz bem. Mesmo que saibamos que a liberdade jamais a teremos como desejaríamos, ainda assim, ao seu menor sopro, nos deliciamos. E isso descobrimos nesses dias de verão; dias em que muitos estão fora da cidade em merecidas férias. Quem poderia dizer que um simples andar de automóvel pelas ruas nos traria essa sensação tão frugal, mas tão importante? Ou no humilde caminhar pelas calçadas em busca de uma cafeteria?

Para os que andam de ônibus - possivelmente a maioria da população brasileira -, sabe-se, por seus próprios relatos, que não poderia ser diferente: o bom espaço na condução significa poder viajar sentado e graças a um trânsito leve, também conseguir chegar ao trabalho ou à escola em metade do tempo usual. Já para quem trabalha ao volante, esses sabem bem do que se fala: a entrega sai rapidinha e a incomodação é menor, embora nessa época as prefeituras resolvam fazer suas obras atrasadas, como querendo destruir o gostinho da liberdade veranil.

O café foi-me servido em incríveis curtos minutos, e vendo a moça do caixa fazendo hora com suas anotações, ocorreu-me de exercer minha liberdade. Deveria pagar e sair. Mas fui retido pelo poema de Fernando Pessoa: O mal é haver consciência.

Verso que retoma Dostoiévski e Nietzsche, e que me soprou à memória as palavras daquele médico da garganta, nariz e ouvidos. Tinha ele consciência do mal de sermos obrigados a viver na cidade, e do bem de ser livre para buscar a razão de enfrentarmos essa vida usando medicações a diário. Ou ao contrário - no melhor estilo pessoano - ao contrário disso tudo, de, conscientes dos males da cidade e dos remédios, optarmos por negar a tudo e com sorte sofrermos menos e talvez vivermos um pouco melhor. Sim, é possível, tudo é possível, basta ter liberdade.





Escritor, poeta e cronista, Paulo Tedesco contribuiu por vários anos para diversos jornais brasileiros na Flórida-EUA. Conheça o Blog do autor - clique aqui!

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