O essencial é invisível aos olhos

O livro “O pequeno príncipe” – cujo título original, em francês, é “Le Petit Prince” e que em Portugal é conhecido como “O Principezinho” – de Antoine de Saint-Exupéry, é um dos maiores fenômenos editoriais de todos os tempos. Consultando uma dessas tantas relações das obras mais vendidas no País em janeiro de 2015, esta ocupava a quinta colocação. O leitor distraído, ou mal informado, poderá perguntar: “O que há de tão excepcional nisso? Afinal, o livro nem mesmo é o primeiro colocado em vendas!”. Se alguém me fizer uma observação destas, em uma conversa, simplesmente virarei as costas e deixarei o interlocutor falando sozinho. Afinal (desconfio) a burrice pode ser contagiosa.

Informo, para quem não saiba, ou não se lembre, que este livro foi publicado, originalmente (e nos Estados Unidos) em 1943 (ano do meu nascimento). Portanto, já fez, ou então fará nos próximos meses, 72 anos! A rigor, nunca saiu das listas dos mais vendidos. E não somente no Brasil. O fenômeno é mundial. Entre os vários recordes que essa obra acumula está o fato de ser a terceira mais traduzida de todos os tempos (perde, apenas, para a Bíblia e para “O peregrino”). Foi vertida para 160 idiomas. Está respondido, pois, o que “O pequeno príncipe” tem de excepcional. Não conheço obra alguma de ficção (e duvido que exista) com tamanha aceitação no mundo todo. Até 2013, quando foi feito o levantamento, já havia vendido 143 milhões de exemplares em praticamente todos os países. Hoje, essas cifras são bem maiores, pois continua vendendo, e muito, por toda a parte.

Por muito tempo, o livro foi considerado como de “literatura infantil”, voltado para crianças. Seus textos são curtos, de fácil leitura, e fartamente ilustrados, com ilustrações do próprio Antoine de Saint-Exupéry. Li-o quando tinha oito anos de idade e me empolguei com a história. Reli-o dezenas de vezes, pelos mais variados motivos. Um deles, por exemplo, foi para apresentá-lo aos meus quatro filhos, cada um na respectiva idade em que eu achava que iriam entender o enredo e a mensagem que há por trás dele. Com o tempo, percebi que não se tratava de mera peça de literatura infantil (o que, se fosse só isso, não seria demérito algum para a obra e nem para seu autor). “O pequeno príncipe” tem uma carga poética inigualável em livros do gênero. E não é só. Tem profundo conteúdo filosófico e da forma como a filosofia deveria ser sempre ensinada a crianças e a adultos. Ou seja, de forma direta, clara, inteligível, sem os tantos jargões que tornam tão chatas obras dessa fundamental disciplina, que é a “mãe de todas as ciências”.

O curioso é que Antoine de Saint-Exupéry – nascido na cidade francesa de Lyon em 29 de junho de 1900 – nunca sonhou em ser escritor e nem se considerava tal. Sua paixão era a mecânica e, mais tarde, a aviação. Aliás, perdeu a vida em um avião que pilotava, que foi abatido a tiros pelo alemão Horst Ripert, quando realizava missão de observação do movimento das tropas nazistas no território da França. Seu corpo nunca foi encontrado, o que suscitou diversas lendas a propósito do seu desaparecimento, ocorrido em 31 de julho de 1944. Saint-Exupéry não testemunhou, portanto, o estrondoso sucesso do seu livro. Os destroços do aparelho, um P-38 Lightning, foram localizados, apenas, 60 anos depois, em 2004, pondo fim às especulações em torno do caso.

Antoine-Jean-Baptiste-Marie-Roger Foscolombe de Saint-Exupéry era de família nobre, terceiro filho do conde Jean Saint-Exupéry e da condessa Marie Foscolombe. Morreu jovem, muito jovem, prematuramente, 32 dias após haver completado 44 anos de idade. Seu livro já esgotou mais de 500 edições e segue sendo reeditado mundo afora e não para de vender. Soube, dia desses, que será transformado em filme por um estúdio de Hollywood.

Sabem o que é curioso? Muitos “pseudo-entendidos” em Literatura consideram o livro “obra menor” e chegam a ridicularizar publicamente não somente este hiper-best-seller, mas, inclusive. quem o aprecia. Insinuam que quem afirma ter extraído preciosas lições de “O pequeno príncipe” não tem “cultura literária” sólida. Ora, ora, ora... Essas pessoas merecem outra resposta que não seja o silêncio?! Eu mesmo fui ridicularizado, numa dessas redes sociais (não quero identificar qual), por haver destacado o mérito poético do livro. Ainda bem que esses comentários sem pé e nem cabeça foram feitos à distância. Já imaginaram se burrice for contagiosa, como tantas doenças?!! Pelo sim, pelo não, não quero contato com quem trata “até” Literatura, tanto obras quanto autores, com menosprezo e preconceito.

Tenho pena de gente assim. Se esses críticos de ocasião pelo menos lessem “O pequeno príncipe”, talvez entendessem a principal mensagem que Saint-Exupéry transmitiu. A de que devemos nos acautelar com nossos julgamentos, que podem ser sumamente equivocados, com o alerta que esses equívocos tendem a nos levar à solidão e ao afastamento até das pessoas que amamos. Entre as inúmeras mensagens do autor, destaco três, para encerrar estes descomprometidos comentários:

“1ª) Aqueles que passam por nós, não vão sós, não nos deixam sós. Deixam um pouco de si, levam um pouco de nós.
2ª) A perfeição não é alcançada quando não há mais nada a ser incluído, mas sim quando não há mais nada a ser retirado.
3ª) O essencial é invisível aos olhos”.





Jornalista, radicado em Campinas, mas nascido em Horizontina, Rio Grande do Sul. Tem carreira iniciada no rádio, em Santo André, no ABC paulista. Escritor, com dois livros publicados e detentor da cadeira de número 14 da Academia Campinense de Letras. Foi agraciado, pela sua obra jornalística, com o título de Cidadão Campineiro, em 1993. É um dos jornalistas mais veteranos ainda em atividade em Campinas. Atualmente faz trabalhos como freelancer, é cronista do PlanetaNews.com e mantém o blog pedrobondaczuk.blogspot.com. Pontepretano de coração e autêntico "rato de biblioteca". Recebeu, em julho de 2006, a Medalha Carlos Gomes, da Câmara Municipal de Campinas, por sua contribuição às artes e à cultura da cidade.

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