Coragem de intelectual

Por vivermos numa sociedade democrática, tomo a liberdade de iniciar essa nova crônica falando de um amigo escritor, o bom Gustavo Melo Czekster. Numa de duas entusiasmadas publicações em rede social, ele admitiu, ou melhor, expôs-se publicamente, pedindo desculpas à banca de seu Mestrado em Letras da UFRGS, lá no ano de 2002. Suas desculpas tinham como maior direção não só recuperar-se com seus entrevistadores, mas sobretudo com uma autora respeitada, Clarice Lispector, e seu importante livro "A paixão segundo G.H.".

A atitude do Gustavo me contagiou, fez-me arrastar para dentro de uma crônica semanal sua postura e o encanto com que assume o valor das releituras. Dizia haver entrado em forte discussão e se arrependido, por sua análise sobre Clarice, a quem, naquele tempo, considerava, "uma escritora de segunda linha". A coisa aconteceu tão forte, que uma professora, em pleno confronto, pedia para que fosse melhorado o nível do debate. O que não deixa de ser cômico, pois é de se imaginar a estupefação de seus entrevistadores.

Reproduzo, literalmente, o Gustavo, "Eu era jovem, eu era estúpido. Não sou mais jovem, e ainda não garanto quanto à estupidez. Não estava preparado." Perceba a beleza em como anuncia, nas frases curtas, a confissão pelo despreparo juvenil. E é neste ponto que reforço a ideia que não me abandona: o valor da honestidade intelectual e de um intelectual. O verdadeiro intelectual é honesto em suas posições, na mesma proporção em que se mostra apaixonado por suas convicções. Convicções ainda que por vezes voláteis, mas que fazem refletir, tal como o Gustavo, treze anos depois.

Considerando-se perdoado a partir da frase de Clarice, "Este livro é como um livro qualquer. Mas eu ficaria contente se fosse lido apenas por pessoas de alma já formada. Aquelas que sabem que a aproximação, do que quer que seja, se faz gradualmente e penosamente - atravessando inclusive o oposto daquilo que se vai aproximar." Gustavo, nos próprios comentários dessa sua postagem, arremata ilustrando o quanto vale relermos e repensarmos, não só nossas vidas, porém, e substancialmente, nossas leituras.

Sendo essa uma crônica, me obrigo a cruzar o assunto, que talvez se resumisse a bom papo literário entre amigos intelectuais, para o cotidiano que nos aflige. O Gustavo Melo Czekster revelou seu lado e, à sua maneira, anos depois reescreveu abertamente seu pensamento. Clarice, afinal, sobreviveria. Mas a consciência de que estamos diante de uma tentativa de golpe de estado em nosso país conclama com sejamos honestos. E pergunto àqueles que estão a apedrejar a jovem democracia brasileira, passada uma incontestável e limpa eleição, é coragem o que lhes move? Ou é gente a se esconder na sombra das pedras que atiram? Desejam eles o poder ou são parte do problema? É preciso honestidade, sem dúvida.





Escritor, poeta e cronista, Paulo Tedesco contribuiu por vários anos para diversos jornais brasileiros na Flórida-EUA. Conheça o Blog do autor - clique aqui!

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