O romantismo não morreu

“O romantismo está se acabando”. Esta é uma afirmação recorrente, que ouço, amiúde, de pessoas em geral de mais idade, descontentes com os relacionamentos interpessoais nestes tempos duros, caracterizados pelo individualismo levado às últimas consequências, pelo feroz egoísmo e pelo consumismo exacerbado, em detrimento da gentileza e da cortesia. Todavia, discordo de quem pensa assim. Por que? Basicamente, por tratar-se de generalização. E como todas as generalizações... esta, também, é “burra”, como diria o jornalista e escritor Nelson Rodrigues, com aquele seu jeito irreverente de dizer as grandes verdades, caso estivesse vivo.

Nem todos agem de forma fria e distante, muitas vezes agressiva, não raro descambando para o que chamamos, popularmente, de “falta de educação”, em seus relacionamentos. Diria que as manifestações de romantismo estão é se transformando. E que essa transformação ainda não é, sequer, generalizada. Tenhamos em mente que convivem (e nem sempre harmoniosamente), ao mesmo tempo e no mesmo espaço (refiro-me ao mesmo mundo), várias gerações diferentes. Cada uma delas cultiva seus costumes, comportamentos, hábitos e tradições (neste caso, os mais velhos), conforme foi educada.

É impossível, portanto, dizer, sem risco de errar, que esse modo de agir é excelente, e aquele péssimo; que este é o certo e aquele o errado. A menos que se trate de algo notoriamente nocivo, claro, e que, por isso, tenha repúdio generalizado e consensual. Cada qual sabe (ou deveria saber) o que melhor lhe convém. Entendo que o romantismo não morreu e nem está próximo da “morte”. Em vez disso, transformou-se e segue se transformando.

As manifestações de amor mudaram. O namoro, hoje, por exemplo, é muito diferente do tempo dos nossos avós e de nossos pais (e mesmo do nosso tempo, caso tenhamos algumas dezenas de anos nas costas). As mudanças foram para melhor? Pioraram os relacionamentos? Depende de quem avalia. Para uns, os costumes atuais são mais adequados e os dos antepassados chegam a soar ridículos. Para outros, é o contrário. Quem está certo? Quem está errado? Insisto, depende de quem avalia. Hoje, por exemplo, ninguém mais escreve cartas apaixonadas para as namoradas, ou companheiras, ou seja qual for a condição da outra pessoa pela qual se esteja apaixonado, ou interessado, como queiram. Em vez disso, redigem-se e-mails. Ou nem isso. Muitos (e põe muitos nisso!) limitam-se a postar mensagens em alguma das tantas redes sociais e basta. Nem por isso quem procede assim deixou de ser romântico. Afinal, lembrou-se da pessoa amada ou estimada ou que lhe desperte qualquer tipo de interesse.

Os mais velhos não agiam assim, certo? Sem dúvida. Mas isso ocorria por motivos óbvios. Não contavam com os recursos de comunicação (computador, celular etc.) com que contamos hoje. O hábito de escrever cartas está se acabando não apenas entre namorados, interessados em namorar e amigos. Até mesmo a correspondência comercial das empresas se torna, paulatinamente, coisa do passado, substituída pelos e-mails que, entre tantas vantagens, contam com a da instantaneidade. Mal você concluiu o texto e comprimiu a tecla de “enviar”, a pessoa à qual a mensagem se destina, não importa a distância que esteja de você, o recebe, quase que instantaneamente, na caixa de entrada de seu computador. Com cartas, óbvio, isso não acontecia. Demoravam dias para elas chegarem, e isso quando não se extraviavam.

Outra manifestação de apreço que não se acabou é o hábito de enviar flores a determinadas pessoas em ocasiões especiais, como aniversários (delas, ou de namoro, ou de casamento etc,), conquistas pessoais, formaturas etc. E isso é feito da forma que sempre foi: é o homem quem envia buquês para mulheres e não o contrário. O que mudou, nesse caso, foi o simbolismo que antes cercava esse tipo de gentileza. Hoje não importa quais sejam as flores mandadas para a pessoa que se quer agradar, desde que de bom gosto, do que as várias floriculturas se encarregam com competência. Nem sempre foi assim.

Houve um tempo em que as flores simbolizavam sentimentos específicos, a ponto de dispensarem cartões, cartas, bilhetes ou seja lá o que fosse explicando o motivo de seu envio. Hoje, salvo exceções, só os poetas têm em mente o que cada espécie floral significa simbolicamente e utilizam essa simbologia, a título de metáforas, em seus poemas. Por exemplo, o narciso tem o significado de perda, de morte. O jacinto simboliza lágrimas, ou seja, tristeza causada por qualquer separação. O lírio, por sua vez, representa pureza, inocência. O resedá, a bondade. O rosmaninho, a saudade eterna. E a rosa... era no passado e é ainda hoje metáfora de beleza e de amor. Por isso, mesmo quem não tem a mais remota noção do significado simbólico das flores, opta por esta espécie específica quando quer conquistar, conservar ou reverenciar alguma mulher.

Voltarei oportunamente ao tema. Reitero, todavia, minha afirmação inicial. Discordo que o romantismo tenha “morrido” ou que esteja em vias de desaparecer. Como todas as coisas no mundo (aí incluindo, comportamentos, costumes e símbolos), está em processo de transformação. Se para melhor ou para pior, é questão individual, opinião de cada um. Afinal, cada pessoa sabe (ou deveria saber) o que melhor lhe convém.





Jornalista, radicado em Campinas, mas nascido em Horizontina, Rio Grande do Sul. Tem carreira iniciada no rádio, em Santo André, no ABC paulista. Escritor, com dois livros publicados e detentor da cadeira de número 14 da Academia Campinense de Letras. Foi agraciado, pela sua obra jornalística, com o título de Cidadão Campineiro, em 1993. É um dos jornalistas mais veteranos ainda em atividade em Campinas. Atualmente faz trabalhos como freelancer, é cronista do PlanetaNews.com e mantém o blog pedrobondaczuk.blogspot.com. Pontepretano de coração e autêntico "rato de biblioteca". Recebeu, em julho de 2006, a Medalha Carlos Gomes, da Câmara Municipal de Campinas, por sua contribuição às artes e à cultura da cidade.

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