Imagens desfocadas

"O homem é o que ele pensa". Pelo menos é o que diz a poetisa (ou poeta?) norte-americana Ella Wheeler Wilcox. Mas o que pensamos a nosso respeito condiz com a realidade? Temos isenção suficiente para uma auto-avaliação eficaz ou pelo menos aproximada da verdade?

E os que nos rodeiam, têm? Podem nos julgar com isenção? Têm essa vontade? Contam com essa capacidade? Acredito que não! Falta objetividade a um e aos outros para nos avaliar. Podemos afirmar que nem os pais conhecem bem seus filhos, o que sequer é de se estranhar, já que também não se avaliam de maneira isenta, objetiva, realística. Em suma, não se conhecem.

Gosto de ler opiniões a meu respeito, embora por uma questão de vaidade, prefira as positivas. Contudo, as mais úteis são as feitas por meus adversários, pelos que não gostam de mim e só enxergam minhas fraquezas (tantas!), defeitos (ostensivos) e vulnerabilidades (que não revelo para ninguém). A rigor, não sou tão importante assim para que outros opinem a meu respeito. Alguns, no entanto, o fazem.

No meu modo de entender, nenhuma dessas avaliações, de amigos ou de inimigos, sequer chegou perto da imagem que eu faço de mim. Os primeiros superestimam minhas eventuais qualidades, o que não deixa de ser uma satisfação para o ego. Mas trazem o risco de me tirar da realidade e acabam sendo causas indiretas de imensas frustrações.

Para os segundos, sou a verdadeira imagem do mal (nossa!), como erva daninha que tenha que ser extirpada (que exagero!). Pelo menos foi o que um leitor afirmou, em carta que me escreveu, contestando um artigo em que eu criticava uma determinada atitude do então líder soviético Yuri Andropov (se não me falha a memória, em 1982 ou 1983). O que o tal sujeito entendia de União Soviética? Eu, que sou filho de russos, pouco entendo! E o pior foi que ele interpretou como ofensa justamente o único elogio que fiz ao então secretário-geral do Partido Comunista da URSS. De duas uma: ou sou extremamente confuso nas minhas colocações (o que não parece ser o caso e ninguém antes e nem depois reclamou) ou o tal sujeito é um desses analfabetos funcionais, que sabem juntar as letras, formar palavras, mas não entendem seu significado. Deixa pra lá!

Se tirarmos os excessos existentes nessas opiniões (muitos) e pinçarmos defeito por defeito dos apontados, teremos diante de nós um excelente parâmetro para que possamos nos tornar melhores. Os inimigos, portanto, são mais úteis do que os amigos para que possamos estabelecer uma imagem nossa mais próxima da real.

Até o aspecto físico que julgamos ter não condiz com a realidade. Não nos enxergamos por inteiro. Não contamos com visão holográfica. Não vemos, por exemplo, nossas costas, o que nos torna incapazes de avaliar a nossa postura. Mesmo vista no espelho, a "retaguarda" não aparece como de fato é. A visão de conjunto fica comprometida.

O parâmetro que os outros adotam para nos julgar (e que nós usamos para o julgamento de terceiros) é o dos atos, das palavras e das expressões. E dos preconceitos, confesse-se. Consegue-se, com material tão precário, não mais do que pálidos e distorcidos reflexos da imagem real.

Pitigrilli (excelente escritor, tão pouco lembrado de uns trinta anos para cá) traçou um perfil humano genérico, não de alguém específico, mas do tipo médio, no qual a maioria se enquadra. Escreveu, no livro "Lições de Amor" (Editora Vecchi, 1960): "O homem não é nem anjo, nem fera, ou é ambas as coisas em proporções desiguais. A beneficência, a moral, a caridade não podem fabricar homens e mulheres ideais. Devem servir-se daqueles que encontram".

A dúvida que me fica é: será que as pessoas cuja imagem envolvemos em uma aura de santidade eram ou são verdadeiramente santas? Ou as que julgamos sábias, teriam, de fato, tanta sabedoria? Ou, do lado oposto, será que os monstros humanos foram mesmo tão maus como pintados?

Provavelmente há exageros, para o bem ou para o mal, para melhor ou para pior, em todas essas avaliações. Nossos julgamentos, por mais que tentemos, nunca se vêem totalmente expurgados de preconceitos, ou seja, de conceitos previamente fabricados.

E a avaliação histórica, está correta? São exatas as previsões feitas sobre o futuro? O passado foi registrado com exatidão? A humanidade seria, mesmo, tão sanguinária, doentia, egoísta e corrupta quanto nós, formadores de opinião, procuramos pintar? Ou como os historiadores dizem que foi? Ou como os estudiosos do comportamento garantem que é?

Talvez não! Ou talvez seja até pior, não se sabe com certeza. O italiano Paolo Rossi, no livro "Os Sinais do Tempo", observou: "Por muitos séculos, o homem concebera-se no centro de um universo limitado no espaço e no tempo e criado em seu benefício". Hoje, sabemos (ou pelo menos as pessoas cultas e instruídas sabem) que não é assim.

E o escritor prossegue: "Imaginara-se habitante, desde a Criação, de uma Terra imutável no tempo. Construíra-se uma história de poucos milhares de anos que identificava a humanidade e a civilização às nações do Oriente Próximo e, depois, à Grécia e Roma. Pensara-se diferente, em essência, dos animais; senhor do mundo e dono de seus próprios pensamentos. Em breve, no novo século, ele terá de defrontar-se com a destruição de todas essas certezas, com uma diversa, menos narcisista, mas, decerto, mais dramática, imagem do homem".

Será a real? Terá, pelo menos, a mais leve das proximidades com a verdade? Ou a subjetividade e o preconceito continuarão determinando nossos julgamentos e opiniões? Vai depender de cada um de nós. Ou talvez nem dependa...





Jornalista, radicado em Campinas, mas nascido em Horizontina, Rio Grande do Sul. Tem carreira iniciada no rádio, em Santo André, no ABC paulista. Escritor, com dois livros publicados e detentor da cadeira de número 14 da Academia Campinense de Letras. Foi agraciado, pela sua obra jornalística, com o título de Cidadão Campineiro, em 1993. É um dos jornalistas mais veteranos ainda em atividade em Campinas. Atualmente faz trabalhos como freelancer, é cronista do PlanetaNews.com e mantém o blog pedrobondaczuk.blogspot.com. Pontepretano de coração e autêntico "rato de biblioteca". Recebeu, em julho de 2006, a Medalha Carlos Gomes, da Câmara Municipal de Campinas, por sua contribuição às artes e à cultura da cidade.

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