Geração sem palavras?

A nova geração – a dos adolescentes que ainda estão nas escolas de ensino médio ou iniciando uma universidade (claro que me refiro aos que têm o privilégio de acesso à educação de boa qualidade que, infelizmente, ainda não é generalizado) – é, amiúde, acusada de não dar maior importância ao idioma do país em que vive.

Diz-se, com irritante freqüência, por exemplo, que os jovens não sabem se expressar. Que criam seus próprios jargões, a que só alguns iniciados têm acesso. Que recorrem, freqüentemente, às gírias de ocasião, quer falando ou quer escrevendo, em vez de se aterem a uma linguagem mais erudita e tradicional. São classificados de “geração sem palavras” pelos mais velhos que, a rigor, sequer atentam para o que os moços pensam ou fazem, a não ser para criticar. Há fundamento nessa acusação? Tolice!

O uso adequado do idioma não depende de idade, mas de leitura, de estudo, de aplicação, de capacidade de observação, de autodisciplina e, até, (por que não?!) de criatividade. Há jovens e jovens, como há, igualmente, Intelectuais (com “I” maiúsculo) e intelectuais que se julgam luminares do saber, mas que não passam de pessoas pedantes, ocas, vazias, limitadas e, sobretudo, preconceituosas. Ademais, toda e qualquer generalização é burra.

Em minha experiência com adolescentes, nas várias palestras que proferi (mais de 500, a maioria para estudantes de primeiro e segundo grau), pude constatar a enorme capacidade de apreensão e expressão e o elevado grau de criatividade e compreensão da atual geração. Creiam-me, ela não fica, nesse aspecto, nada a dever a nenhuma outra. Tenho lido textos muito bons, de futuros jornalistas e, quiçá, vitoriosos escritores, surpreendentes pela clareza, pela concisão e pela acuidade das análises. Seus autores mostram, sobretudo, que têm o que dizer. E dizem com grande perícia.

Não posso deixar de dar razão ao meu saudoso amigo Eustáquio Gomes, jornalista e escritor (prefaciador do meu livro “Por uma Nova Utopia”), que por muitos anos nos deliciou com suas crônicas semanais, inteligentes e criativas, publicadas na revista Metrópole (que circulava aos domingos junto com o Correio Popular de Campinas), quando afirmou: “Diz-se alguma coisa quando se diz pouco, e bem”. E não é assim?!

Aliás, a esse propósito, o escritor Paulo Rônai já fazia a mesma acusação que se faz hoje aos jovens, no início dos anos 40 do século passado, ao declarar: “Dotando de um vocabulário maior a ‘geração sem palavras’, estaremos munindo-a de armas e utensílios indispensáveis à sua futura atuação intelectual”.

Como se viu, posteriormente, no entanto, ele estava equivocado. Aqueles que na época davam os primeiros passos na literatura e no jornalismo, acusados (injustamente) de pouco, ou nenhum traquejo do idioma, se mostraram, na seqüência de suas carreiras, escritores revolucionários e inovadores profissionais de imprensa, que hoje servem, inclusive, de modelos de expressão.

A propósito de uma linguagem fora dos padrões convencionais – que choca a tantos tradicionalistas, na verdade acomodados, que têm medo de ousar – o argentino Júlio Cortazar, no livro “Teoria do Túnel”, faz uma até pitoresca colocação. Afirma que “essa agressão contra a linguagem literária, essa destruição de formas tradicionais, tem a característica própria do túnel: destrói para construir”. É, pois, pura criatividade. Trata-se de capacidade de renovação.

Todo idioma é dinâmico. Quem o “constrói” de verdade não é o erudito, mas o povo que o utiliza. Os gramáticos e, principalmente, os dicionaristas, apenas “chancelam” aquilo que as pessoas comuns dizem. Ou seja, consagram sua forma de se expressar, notadamente no dia-a-dia. A língua que não se transforma acaba morrendo. E há exemplos em profusão de línguas mortas. Muitas palavras, hoje consideradas eruditas, surgiram na verdade como gírias.

Sejamos, pois, mais receptivos, e menos críticos, quanto às novidades, em termos de linguagem. Conservemos nosso espírito (que nunca envelhece, se assim o quisermos) sempre jovem. Sejamos tolerantes, ousados, dinâmicos e, sobretudo, criativos. Conquistemos nossa cultura e a enriqueçamos, sem falsos pudores e sem incentivar o inócuo e preconceituoso conflito de gerações.





Jornalista, radicado em Campinas, mas nascido em Horizontina, Rio Grande do Sul. Tem carreira iniciada no rádio, em Santo André, no ABC paulista. Escritor, com dois livros publicados e detentor da cadeira de número 14 da Academia Campinense de Letras. Foi agraciado, pela sua obra jornalística, com o título de Cidadão Campineiro, em 1993. É um dos jornalistas mais veteranos ainda em atividade em Campinas. Atualmente faz trabalhos como freelancer, é cronista do PlanetaNews.com e mantém o blog pedrobondaczuk.blogspot.com. Pontepretano de coração e autêntico "rato de biblioteca". Recebeu, em julho de 2006, a Medalha Carlos Gomes, da Câmara Municipal de Campinas, por sua contribuição às artes e à cultura da cidade.

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