Penso e aconteço

Impossível não registrar algumas passagens mágicas desse meu cotidiano de escritor e também editor de livros. Numa conversa com outro editor, pessoa especial e não menos especialista no assunto, saiu-lhe uma frase quase que impensadamente: pois não é que fulano pensa fazendo! Estávamos num almoço e gentilmente pedi que repetisse, no que ele ratificou, sem dar-se pelo meu real espanto: sim, disse-me, fulano pensa enquanto faz e ao fim do processo o resultado é algo razoavelmente amadurecido, pré-pronto, sobrando arestas, nada mais.

Numa reflexão rápida, imediata, ocorreu-me que o amigo editor nada mais falava do que na essência do fazer e, porque não, do ser, nesse mundão do digital e das possibilidades que se abrem novas a cada dia. Pois o pensar, hoje, tornou-se de imediato o fazer, tendo os aparelhos eletrônicos como fundamental extensão direta e precisa, que materializam em formas quase acabadas, ao que pouco tempo atrás tomasse dias, se não anos para começar a ganhar realidade física.

Será que a impressora 3D, aquela que de uma imagem virtual surge um objeto manuseável, seria a concretização, a pré-figuração física como paradigma das formas atuais de conhecimento? Pois se ela processa uma imagem e a transforma em algo multidimensional, concreto, em curto espaço de tempo, enquanto acelera seus algoritmos, sob comando humano e através de uma maquininha extrusora, também está a transformá-los em algo real, palpável, estaria então convertendo o virtual em real através de uma única ferramenta?

Compliquei? Sim, possivelmente. Mas descomplico, pois pensar, hoje, é na verdade dar curso ao que as nossas velhas máquinas de escrever faziam: materializavam de imediato seu processamento. A diferença é que agora as coisas e os processamentos, seus resultados, ganharam volume em escalas até então impensáveis, ou imagináveis somente na ficção ou pelas pesquisas científicas das mais avançadas, assim como sua qualidade elevou-se de forma tal que sua utilização pode ser, até, imediata e eficaz.

Estabelece-se, portanto, dois polos: num, o instantâneo, em qualquer possibilidade e dimensão, e potencialmente funcional, noutro, o amplo espaço ocioso e necessário para fruição da arte e do amor, como necessário contraponto ao que o instantâneo semi-acabado proporciona. Sei, por essas ousadias, que estou a navegar em algo tênue e um tanto explosivo diante de certos filósofos e pensadores, mas não há como deixar escapar esse precioso ponto de viragem da vida moderna. Saltamos, afinal, de uma era analógica, quase gotejadora, para uma era líquida, incessante, intermitente, espantosamente instantânea, e admitamos ou não, é urgente pensar, e repensar, enquanto fazemos, e vivemos, nossas vidas editoriais e autorais.





Escritor, poeta e cronista, Paulo Tedesco contribuiu por vários anos para diversos jornais brasileiros na Flórida-EUA. Conheça o Blog do autor - clique aqui!

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