Degelo

Os cientistas afirmam que o outrora inexpugnável ártico está minguando a cada novo verão e não mais recuperando todas suas perdas durante os longos invernos. Apostam os cientistas, e não sem razão, que as mudanças climáticas do planeta, com o aumento da temperatura média global, possivelmente fruto da ação humana, é o acelerador desse processo radical na natureza e seus ciclos.

Tais ameaças à vida na Terra, afinal é o nosso tipo de vida que está sob ameaça, podem, e devem, nos servir como analogia, não somente para refletir nosso comportamento enquanto raça humana dentro da espécie animal, mas também de que há algo de muito ameaçador e transformador a nos condicionar e a nos encurralar.

O cidadão e a cidadã devem se perguntar: tenho uma geleira do tamanho do mundo em casa e no trabalho, porque deveria me preocupar com a geleira dos outros? Porque seguir lendo esse artigo se nesse exato instante um banco me cobra taxas abusivas e uma companhia telefônica estraga meu crédito por algo que não fiz? E mais, porque pensar no ártico, quando meus filhos e filhas não estão na escola pois seus professores ganham as ruas na luta por usa dignidade profissional?

Razões cotidianas de uma vida trabalhadora no sistema capitalista, às voltas com incompetências humanas, de fato soçobram. Porém, no lado oposto, muitos dos cidadãos mais afortunados, além de haver financiado a campanha de um serviçal ao governo do estado do Rio Grande do Sul, nesse instante sorriem animados, à espera dos despojos que o degelo das ações estatais trará a seus bolsos. Esses, os mais afortunados, nos parecem mais atentos com o que lucrarão com o fim do estado em setores essenciais da economia, do que com o horror urbano que já cerca o cidadão comum.

Não seria difícil enumerar os desdobramentos de uma eventual elevação do nível dos mares e oceanos no ecossistema planetário. Os grandes países, circunvizinhos às geleiras nórdicas, dificilmente entrarão numa guerra pelas coisas novas para suas economias após o degelo; removerão mundos, é verdade, mas não ousarão suas ogivas nucleares pelo que está a ser explorado, não por enquanto.

Ao mesmo tempo, e seguindo a proposta da analogia, nos parece impossível, e até inviável, uma remoção de um governador eleito pela maioria do povo gaúcho e cercado de uma base partidária razoavelmente sólida. No parlamentarismo seria passível e urgente, mas não é o caso. Definitivamente. O que nos resta? Além de uma boa reza, nos resta seguir o rastro das notícias e dos relatos que a todo instante chegam. E disso tentar tirar as lições, a exemplo do cientistas, que toda a situação nos apresenta. E se a temperatura subiu - tenhamos consciência -, é parte do problema, jamais a culpa do desastre.





Escritor, poeta e cronista, Paulo Tedesco contribuiu por vários anos para diversos jornais brasileiros na Flórida-EUA. Conheça o Blog do autor - clique aqui!

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