Futuro, que futuro?

A atual civilização, ao contrário das que a antecederam, aposta todas as suas fichas num futuro radioso, de prosperidade, justiça e paz, sem, no entanto, lançar as bases para esse desejável período áureo, achando que ele terá geração espontânea. Não terá! Qualquer projeção que se faça num tempo que ainda não aconteceu e que, sequer há a menor segurança de que irá acontecer, não passa de delirante fantasia. Contudo, os que agem assim, se acham “realistas” e com “inequívoca visão de progresso”. O mínimo senso de análise e de lógica, todavia, derruba essa visão fantasiosa.

No terreno pessoal, embora as coisas variem de pessoa para pessoa, de conformidade com as circunstâncias de cada um, o futuro, certamente, não reserva, pelo menos no longo prazo, nada melhor do que cada qual vive agora. Talvez ocorra ocasional progresso material. Quiçá melhore a condição econômica e o status profissional e social. Mas... por quanto tempo pode durar essa hipotética evolução, que nunca é uma certeza, por melhor que o sujeito se conduza? No futuro, por exemplo (caso a morte não nos surpreenda antes), está nosso envelhecimento. E (e esta é a única certeza que temos), estará nosso fim.

Claro que se trata de algo incômodo para se pensar. Nem por isso devemos interromper nossos projetos de vida, que deve ser aproveitada da melhor maneira, conforme a capacidade e os objetivos de cada um. Há os que apostem nos prazeres sensoriais, para os quais eles são o real significado de felicidade. Há os místicos, que crêem numa “vida” após a morte, posto que imaterial e que não se importam em viver miseravelmente na Terra, apegados a essa crença irracional e sem o mínimo fundamento. Há os que entendem que vieram ao mundo com um objetivo específico, que se propõem a cumprir, perpetuando assim a memória, na impossibilidade de serem “imortais”. Quem está certo? Todos? Um deles? Qual? Nenhum? Como saber?

O magnífico escritor mexicano (sobretudo poeta, mas também ensaísta e diplomata), Octávio Paz, ganhador (com a maior justiça) do Prêmio Nobel de Literatura de 1990, assim se expressou a propósito, em um ensaio publicado em 1984 pelo “Jornal da Tarde” de São Paulo: “Cada civilização se distingue pela sua visão do tempo. Nas civilizações passadas, se identifica qualquer tempo passado como melhor que o atual, ele é a Idade de Ouro que perdemos. A Idade Moderna, ao contrário, decidiu baixar o céu até a Terra e instaurou o futuro como algo melhor, o progresso como uma coisa superior, o hoje melhor que ontem etc. Mas o futuro é inabitável porque nos é inacessível”.

É impossível de se prever, pelo menos com razoável exatidão, o que irá ocorrer, por exemplo, no final deste dia, quanto mais deste ano, desta década ou deste século. Quando março de 2011 começou, por exemplo, algum japonês, por mais pessimista, precavido ou informado que fosse, previu acaso o que aconteceria no país quatro dias depois, com o devastador terremoto (o maior de sua história) e o conseqüente tsunami, não menos arrasador? Não, não é não! Claro que não! O feroz cataclismo alterou para sempre a realidade de milhares de habitantes do Japão, além de suprimir a vida de pelo menos duas dezenas de milhar de outros.

Estamos todos sujeitos a esse tipo de fenômeno, absolutamente imprevisível. E de pagar, diga-se de passagem, por nossa imprudência quer na conduta pessoal, quer na coletiva. Octávio Paz acentua: “O futuro que nos aguarda pode muito bem não ser o lugar de uma perfeição almejada por nós, mas sim a eclosão de catástrofes; a explosão populacional, a poluição, as catástrofes políticas, a física moderna com seu arsenal nuclear, a destruição antiecológica de todos os recursos da Terra que permitam a vida nela. A sociedade diante da hecatombe atômica, não pode crer muito no futuro”. Mas crê, eu aduziria. E essa crença, pelo exposto por este que sempre se constituiu em um dos meus escritores prediletos, não é nada realista e muito menos pragmática.

Há algum exagero nas observações de Octávio Paz? Obviamente que não. O terceiro milênio começou com o Planeta abrigando um contingente estimado em 5,3 bilhões de habitantes. Bastaram quinze anos, porém, para que já esteja superando os 7,2 bilhões. Todavia, os recursos da Terra não se ampliaram nada, nada.

Há uma infinidade de novas bocas para alimentar, sem que o solo agriculturável haja se expandido ou se tornado minimamente mais fértil. Pelo contrário! A lógica é a de que, em algum ponto do futuro, que pode estar muito próximo ou relativamente distante, faltará o básico, o essencial, a comida, para assegurar a sobrevivência de muitos, se não de todos. Isso sem falar na água potável, que tende a se tornar no elemento mais precioso, muitíssimo mais que o petróleo, por ser vital e se tornar cada vez mais escasso.

Octávio Paz também acentua: “Os últimos decênios da história da humanidade foram uma repetição do passado. Se hoje em dia não nos prostramos mais diante de uma deificação da natureza, sabemos, porém, que temos que viver em harmonia com a natureza, da qual o homem não é o centro, mas apenas um de seus elementos constitutivos. De modo que o centro afetivo do homem moderno se encontra agora entre a nostalgia do passado e a utopia do futuro. No entanto temos que nos lembrar de que hoje é vida, mas também é morte”.

Onde a solução? Ela existe? No que consiste? Como encontrá-la e aplicá-la? Essas são as questões que deveriam nos mobilizar, mesmo que nunca encontremos respostas. É incômodo pensar nisso? Claro que é. Mas há como fugir, quer hoje, quer amanhã, quer algum dia? Arremato estas reflexões como as iniciei, ou seja, citando mais uma vez Octávio Paz, que conclui: “Saber que somos mortais nos leva a indagar que futuro melhor nos espera? A ameaça de aniquilação do mundo deu novo e redobrado valor à hora presente. A presença é um novo erotismo fundado, não na eternidade, mas no aqui e no agora”.





Jornalista, radicado em Campinas, mas nascido em Horizontina, Rio Grande do Sul. Tem carreira iniciada no rádio, em Santo André, no ABC paulista. Escritor, com dois livros publicados e detentor da cadeira de número 14 da Academia Campinense de Letras. Foi agraciado, pela sua obra jornalística, com o título de Cidadão Campineiro, em 1993. É um dos jornalistas mais veteranos ainda em atividade em Campinas. Atualmente faz trabalhos como freelancer, é cronista do PlanetaNews.com e mantém o blog pedrobondaczuk.blogspot.com. Pontepretano de coração e autêntico "rato de biblioteca". Recebeu, em julho de 2006, a Medalha Carlos Gomes, da Câmara Municipal de Campinas, por sua contribuição às artes e à cultura da cidade.

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