Nem só de pão...

A maioria das pessoas é condicionada, desde a tenra infância, a se preocupar “apenas” com as coisas materiais – como o sustento pessoal e o da família que vier a constituir, entre outras tantas tarefas a cumprir – em detrimento, muitas vezes, das coisas do espírito. Somos educados, por exemplo, para a competição, que não raro se torna feroz e selvagem, quando deveríamos ser orientados (por pais, mestres etc.) no rumo da solidariedade, da cooperação e da união de esforços para construir algo mais sólido e duradouro do que o mero sucesso – profissional, esportivo, literário etc. não importa.

Alguns (a maioria) fracassam em todos os seus projetos e propósitos: chegam, um dia, à velhice (quando chegam), desolados, doentes, decepcionados e com a desagradável sensação de haver desperdiçado o tempo (pelo menos a maior parte dele) com coisas supérfluas e banais, e deixado, dessa forma, de usufruir o que a vida tem de melhor a oferecer.

Mesmo os aos olhos da sociedade bem-sucedidos sentem essa frustração. Entendem (em geral, tardiamente), que a fortuna, a fama e o poder que amealharam não eram tão importantes quanto achavam. Olham para trás e não têm uma única obra consistente a deixar, às vezes, sequer descendentes. Correram a vida toda atrás de sombras, em detrimento da substância.

“Então o sustento, a profissão, os estudos, a carreira etc. não são importantes?”, perguntarão alguns. São, sem dúvida. O problema reside em se preocupar “apenas” com isso. Está, pois, em inverter a ordem dos valores e prioridades e em considerar o subsidiário mais importante do que o essencial.

O evangelista Lucas (que era médico), traz-nos, em seu livro, no capítulo 4, versículo 4, magnífica lição a propósito, que a maioria interpreta, não raro, de forma equivocada. Relata que o Mestre dos Mestres, meditando, em absoluto jejum, por 40 dias em um deserto, ao ser desafiado pelo Príncipe das Trevas a transformar pedras em comida, respondeu: “Nem só de pão viverá o homem, mas de toda a Palavra de Deus”.

Ou seja, o sustento e o cuidado do corpo, embora importantes (e instintivos) para a nossa preservação e sobrevivência, não devem ser preocupações exclusivas. Cristo não disse que não eram importantes. Disse que não é “somente” o pão (ou seja, o alimento físico) que é importante para a vida do homem. Excluiu, pois, a exclusividade, sem, contudo, tirar desse ato de se alimentar sua relevância.

Muitos (especialmente os dogmáticos) interpretam afoita e erroneamente a segunda parte da citação, a que diz que o homem (também) viverá “de toda a Palavra de Deus”. Entendem que Jesus se referiu, especificamente, à Bíblia. Tudo bem, esse livro sagrado é importante, pelo tanto de sabedoria e luz que contém. Mesmo os que não têm fé, mas têm sabedoria para distinguir o certo do errado e o bem do mal, respeitam e valorizam as lições contidas nele.

Mas como Deus se manifesta ao homem? Pessoalmente, no âmago do seu pensamento. Manifesta-se, por exemplo, pela intuição. Faz-se presente, o tempo todo, pela inspiração, pelo raciocínio, pela razão. Não precisa de veículos específicos e nem de eventuais intermediários para nos orientar. Daí a citação conter a palavra “toda”, ou seja, não apenas a Bíblia, mas “todas” as demais formas de comunicação que utiliza.

É disso que muitas pessoas carecem para encontrarem o caminho da realização e da felicidade. Precisam, simultaneamente à vida material, ter rica e crescente vivência espiritual. Atentar para a meditação e fazer desse exercício um hábito. Serem observadoras atentas e sagazes. Inquirir, e inquirir muito, mas sempre buscar as respostas do que suscite dúvidas. Este é o objetivo do homem haver sido privilegiado como o único animal da natureza (entre as milhões de espécies que existem e que já existiram) a ser dotado de razão.

Evito, sempre que posso, de abordar temas religiosos. Não porque não tenha crenças (como muitos buscam, sem sequer me conhecer, me atribuir), mas pela dificuldade de me fazer cristalina e racionalmente entendido. Ademais, muitos confundem a fé genuína e irremovível com dogmas criados pelo homem. E, pior, com fanatismo, que os leva, não raro, a cometer atrocidades imensas, em nome do Príncipe da Paz e da fonte inesgotável da bondade e do amor.

Quantos delitos horrendos não foram perpetrados em nome da religião (que significa a “religação” do homem com o seu Criador)!!!? Massacres e mais massacres foram praticados, e repetidos centenas de vezes, mundo afora, para forçar pessoas a “crerem” em determinados dogmas, como se crença fosse algo sujeito a imposições a ferro e fogo. E tudo em nome de um Deus que nos concedeu a suprema faculdade do livre-arbítrio!

Cultive, pois, a sua vida espiritual. Leia, medite, observe, inquira e, sobretudo, sonde a cada momento o seu coração. Viva uma vida tal que, ao se despedir, um dia, do mundo, você saia dele com a certeza de que usufruiu ao máximo do privilégio de ter existido. E, sobretudo, dê ouvidos, a cada momento, às palavras de Deus. Porquanto, nem só de pão...





Jornalista, radicado em Campinas, mas nascido em Horizontina, Rio Grande do Sul. Tem carreira iniciada no rádio, em Santo André, no ABC paulista. Escritor, com dois livros publicados e detentor da cadeira de número 14 da Academia Campinense de Letras. Foi agraciado, pela sua obra jornalística, com o título de Cidadão Campineiro, em 1993. É um dos jornalistas mais veteranos ainda em atividade em Campinas. Atualmente faz trabalhos como freelancer, é cronista do PlanetaNews.com e mantém o blog pedrobondaczuk.blogspot.com. Pontepretano de coração e autêntico "rato de biblioteca". Recebeu, em julho de 2006, a Medalha Carlos Gomes, da Câmara Municipal de Campinas, por sua contribuição às artes e à cultura da cidade.

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