Influências e experiências

A formação acadêmica de Sigmund Freud foi a Medicina. Para chegar onde chegou, sofreu várias influências e passou por inúmeras experiências, muitas das quais infelizes e até mesmo trágicas. Mas... o resultado final é o que conta. E este, como todos sabem, foi a consagração. Durante o curso de Medicina e nos primeiros anos após a formatura, nada indicava que seu interesse, mesmo que remoto, fosse, ou viria a ser algum dia, a mente, com seus mistérios e complexidade e, sobretudo, seus desarranjos. Consta que Freud sequer chegou a ser um aluno brilhante. Muito pelo contrário, em muitas ocasiões se descuidou dos estudos para se dedicar à pesquisa científica. E sua curiosidade na ocasião sequer era voltada para o cérebro humano (ou de qualquer outro animal). Seu foco era, por estranho que pareça, os órgãos sexuais das enguias. Isso mesmo, sem tirar e nem pôr. Quem diria!

Freud ingressou na Universidade de Viena muito jovem, ainda quase menino, aos 17 anos. Aquele adolescente inquieto sequer tinha noção exata do que queria. Não se tratava de nenhum estudante que sentisse vocação inequívoca para determinada profissão, no caso, a Medicina. Tanto que seus planos iniciais eram os de cursar Direito e se tornar advogado, já que a advocacia, na época, rendia, além de prestígio social, muito dinheiro. Não se sabe o que o fez mudar de idéia e optar pelas ciências médicas. . Enfim, foi o que escolheu cursar. E, aos trancos e barrancos, como se diz popularmente, conseguiu se formar. Graduou-se, em Medicina, em 1881, com 25 anos de idade.

A primeira vez que Freud entrou em contato com algum tipo de estudo sobre o cérebro foi em 1877. Ainda estava na faculdade, onde era quartanista. Na própria Universidade de Viena em que estudava, conheceu o professor Ernst Wilhelm Von Brücke, que viria a modificar toda a sua vida. O pitoresco é que esse mestre hoje é conhecido justamente por sua influência sobre Freud. Mas na época, tinha lá seu prestígio pessoal firmado. Já o jovem que se encantou com ele não passava de mero estudante, curioso, mas comum, nada brilhante, e um tanto relapso até. Brücke era conhecido por lecionar uma disciplina não muito conhecida então e nem tão requisitada: Psicologia.

Freud passou a freqüentar o laboratório do mestre, fazendo o que mais gostava de fazer desde que começou a estudar Medicina: pesquisa científica. Seu interesse, agora, não era mais tão exótico como quando havia concentrado a atenção nos órgãos sexuais das enguias. Foi encarregado pelo mestre de fazer dissecações de órgãos não somente de animais, mas também humanos num estudo tanto de anatomia quanto de histologia. Dentre estes, o que mais o fascinou foi o cérebro. Na oportunidade, pôde, até mesmo, identificar semelhanças na estrutura cerebral de humanos e de répteis.

Já formado, Freud continuou trabalhando no laboratório de Bückner. Mas o salário que recebia era muito baixo, diria que irrisório ou pífio. Mal dava para seu sustento pessoal. Tudo estaria bem, no aspecto financeiro, se o jovem recém-formado permanecesse só. Todavia... Cupido, o mitológico deus do amor, entrou em cena. Foi quando conheceu Martha Bernays. Foi amor à primeira vista e recíproco. Mas como poderia se casar com a miséria que recebia como salário? Não poderia. Seu mestre, a contragosto, mesmo satisfeito com o desempenho do jovem auxiliar, aconselhou-o a mudar de emprego. Ponderando na sua deprimente situação financeira e na falta de perspectiva, de futuro, na pesquisa científica, Freud resolveu seguir o caminho mais lógico.

Conseguiu colocação no Hospital Geral de Viena, a mais importante instituição do gênero da cidade, onde além de salário muito maior do que no emprego anterior, teria perspectivas de fazer carreira, como médico. Mas... As coisas não ocorreram como sonhava. Principalmente em decorrência de algumas desilusões profissionais, causadas por experiências mal sucedidas, dir-se-ia desastradas, que fez. A principal referia-se aos supostos efeitos terapêuticos do uso da cocaína no tratamento de determinadas doenças mentais. A gota d’água foi a morte, por overdose da droga, de um amigo da época em que trabalhava no laboratório de Brücker. Talvez para abafar o escândalo (mas esta é uma suposição minha, sem nenhuma comprovação), Freud decidiu pedir licença temporária do Hospital Geral, no que foi prontamente atendido. .

Decidiu viajar para a França, para conhecer o já famoso psiquiatra francês, Jean-Martin Charcot, consagrado, ao lado de Guillaume Duchene, como um dos fundadores da neurologia moderna. Esse contato, deu mais um “empurrãozinho” (na verdade um “empurrãozão”) na carreira e no futuro de quem viria a se transformar, um dia, no “Pai da Psicanálise”. Passou a trabalhar com o consagrado cientista no Hospital Psiquiátrico Saltpétriére, que na ocasião estudava a histeria. Freud entusiasmou-se com o mestre e com as descobertas que este fez desse desarranjo psicológico, até então pouco conhecido, posto que bastante comum.

Finda a licença, retornou a Viena e retomou suas funções no Hospital Geral. Agora, sentia-se muito mais confiante e mais experiente após o estágio que fez com Charcot. Decidiu, então, colocar em prática tudo o que havia aprendido. Passou a atender jovens senhoras, na maioria judias, que sofriam de sintomas aparentemente neurológicos, mas que Freud desconfiava que fossem de fundo psicológico, como perda de controle motor, alucinações, cegueira parcial e até paralisia. Os exames convencionais dessas pessoas nada revelavam. Não evidenciavam qualquer problema físico. Por isso, os que tinham esses sintomas eram tratados com massagens, recomendações de repouso e hipnose. Em alguns casos, essas terapias davam resultado, mas... nem sempre. É aí que começa a atuação de Freud, que o levou à criação da Psicanálise.

Mas, antes de encerrar estas reflexões à margem de hoje, querem saber o que aconteceu com os “pombinhos apaixonados”, Freud e Martha? A despeito do salário do hospital ser muito maior do que o do laboratório de Brücker, não era suficiente para custear o casamento do jovem médico com sua musa.Surgiu, porém, uma solução inesperada e providencial O romance do casal apaixonado teve, afinal, o “happy end”. E foi, graças à providencial ajuda dos amigos do tempo de faculdade, daqueles mais abastados, claro, principalmente de Josep Breuer (outra das tantas influências na vida do futuro “Pai da Psicanáslise”.Dessa forma, Freud e Martha juraram fidelidade eterna um ao outro em setembro de 1886, “até que a morte” os separasse..





Jornalista, radicado em Campinas, mas nascido em Horizontina, Rio Grande do Sul. Tem carreira iniciada no rádio, em Santo André, no ABC paulista. Escritor, com dois livros publicados e detentor da cadeira de número 14 da Academia Campinense de Letras. Foi agraciado, pela sua obra jornalística, com o título de Cidadão Campineiro, em 1993. É um dos jornalistas mais veteranos ainda em atividade em Campinas. Atualmente faz trabalhos como freelancer, é cronista do PlanetaNews.com e mantém o blog pedrobondaczuk.blogspot.com. Pontepretano de coração e autêntico "rato de biblioteca". Recebeu, em julho de 2006, a Medalha Carlos Gomes, da Câmara Municipal de Campinas, por sua contribuição às artes e à cultura da cidade.

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