O computador e seus paradoxos

O escritor Jorge Amado, autor de inúmeros romances, era um dos dinossauros da literatura que não conseguiram se adaptar ao uso do computador. Certa vez, ele afirmou que só conseguia a inspiração para escrever, quando sentava diante de sua máquina de escrever manual e sentia a pressão das teclas, o barulho dos tipos batendo no papel, a sineta ao final de cada linha. Para ele, aquilo tudo fazia parte do ritual necessário para se redigir um texto. Era o seu mantra.

Já a poeta e escritora Zélia Gattai, sua mulher, redigia seus trabalhos usando um computador pessoal com a maior destreza. Tanto que era ela a responsável por digitar todo o trabalho do ilustre marido no PC – esta máquina presente em todos os lares de classe média.

Mas o computador é algo que desafia as leis da natureza. Nada do que sempre foi a regra pode se aplicar a esta paradoxal máquina do nosso cotidiano. Para todos nós, ele serviria para economizar o tempo de quem o usa, entretanto, nunca se perdeu tanto tempo diante de uma máquina como acontece no computador. Máquinas interessantíssimas, eles estão sempre tentando nos hipnotizar com seus encantos e as tantas possibilidades. É como se eu ouvisse o meu PC cantando pra mim aquela música do Fábio Jr.: “Senta aqui. Não fique assim tão triste, senta aqui.”

Você quer ver outra coisa? Este troço desafia até as leis da física. O que é que existe na natureza que, quando aquece congela? Só ele mesmo.

Um outro ponto é o uso do computador para economizar papel. Claro! Tudo está na tela. Mas não é que fica melhor ler no papel? Pois é... imprime daqui, corrige dali, imprime de novo... e lá se vão 10, 15, 20 folhas de papel.

Quando eu tive o primeiro contato com um computador pessoal profissional, por volta de 1982 (o CP-500, da Prológica), o feliz proprietário apontou para o “boneco” e disse: “você está diante do futuro”. Mas que mané futuro? O troço já virou peça de museu em Nova Iorque. Você hoje compra um equipamento para estar adiantado no tempo e, em menos de 3 anos, já está obsoleto. Conheço gente que comprou um forno de microondas há 8 anos e o forno ainda é atual, e nenhum vendedor disse que aquilo era coisa do futuro. Mas o forno, sim, ainda está presente ao hoje, que é o futuro daquele passado não muito distante.

Como é que pode uma coisa dessas? Quando se fala em computador, deveria se proibir que se afirme que é algo do futuro. Necessita, no lugar, dizer que será do futuro por uns 6 meses, presente por 1 ano e meio e ultrapassado dali pra frente.

De qualquer forma, tudo isto encanta pelo fato de podermos fazer parte desta geração, desta era, em que somos os primeiros a experimentar estas máquinas arcaicas que ainda precisam de nossa intervenção para agir, que não pensam por si próprias. Quando, no verdadeiro futuro, nossos netos e bisnetos nos perguntarem como é que era naquela época em que o computador era uma ferramenta de trabalho tão complexa, tão dinâmica? Nossos olhos vão encher de lágrimas e vamos dizer: “ah, que tempos... tudo era muito mais poético... aquele teclado, aquela tela, aqueles auto-falantes. Nos sentíamos mais poderosos controlando aquilo tudo diante de nós. Os arquivos e documentos ficavam gravados no nosso computador, acredita nisso? Tinha que ligar na tomada pra funcionar. Tinha um tal de Doors, Windows, não me lembro o nome, mas lembro que travava toda hora. Era bom, pois podíamos tomar sempre um cafezinho e relaxar. Ah... bons tempos”.





O jornalista Marcello Pepe (MTB 19259/MG) trabalhou por muitos anos para o jornalismo brasileiro nos Estados Unidos, onde pode editar, redigir e diagramar vários periódicos brasileiros. Lançou em 1997 o premiado PlanetaFax, sendo o primeiro informativo diário em português nos EUA. Atualmente, é gestor do Relaciono, professional coach, palestrante e professor de comunicação em público. Confira o novo blog de Marcello Pepe em www.marcellopepe.com

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