Como deveríamos ser

O amor transforma, como num passe de mágica, subitamente, se não todos, pelo menos parte considerável dos nossos pensamentos, sentimentos, projetos e ideais, e, principalmente, comportamentos, sem que sequer nos apercebamos.

Faz, por exemplo, do pessimista, um sujeito pródigo em otimismo; do carrancudo, uma pessoa sorridente e alegre; do brusco, alguém que sai por aí esbanjando cortesia e gentilezas etc.etc.etc. Refiro-me, aqui, é bom que se explicite, a quem esteja, de fato apaixonado.

Não entra, pois, nesse elenco de comportamentos, quem apenas sinta atração sexual por alguma pessoa do sexo oposto. E nem o que julga amar alguém, mas que, na verdade ame tão somente a si próprio. Ou seja, o que entende que o outro tem que satisfazer, sempre, todos os seus desejos e caprichos, sem que precise manifestar a mínima reciprocidade.

Quando amamos, o mundo parece se transformar. Representa, para nós, que fica mais bonito, mais amável, menos árduo e mais encantador. Coisas que quase nunca valorizávamos, antes de nos apaixonarmos, passam a ter imenso valor.

Reparamos, de repente, por exemplo, nos dias de sol, aqueles cálidos e agradáveis de primavera ou de outono (que aqui na minha cidade costumam ser os mais belos), com um céu azul e um perfume adocicado e especial no ar. Valorizamos as noites estreladas, de céu limpo e de um glorioso luar, notadamente quando estamos na companhia da amada.

O cenário, trivial, de crianças brincando, que sequer notávamos há poucos dias, enche-nos, de repente, o coração de ternura e, não raro nos leva às lágrimas, que tentamos disfarçar se formos do tipo “durão” que entende que homem não chora. A maioria de nós, convenhamos, é assim. Ao vê-las, ficamos logo imaginando como seriam nossos filhos, gerados com amor infinito, por aquela pessoa especial que nos “fisgou”.

Quando estamos com a amada, então... Vivemos momentos de magia e encantamento, que os mais refinados poetas tentam, há tempos, em vão, descrever e dos quais nos dão, apenas, pálidas e incompletas idéias, a despeito da sua competência e criatividade. Esses instantes, porém, não são para serem descritos, mas usufruídos em toda a sua plenitude e esplendor.

Mudamos, subitamente, nossos hábitos (pelo menos, os piores). Se formos relaxados, de uma hora para outra passamos a nos preocupar com asseio, com aprumo, com os trajes que vestimos, com a limpeza e a arrumação dos cabelos, com o brilho dos sapatos, com o hálito, com tudo o que possa agradar e impressionar nossa musa. Policiamos o nosso linguajar e nos preocupamos com cada um dos assuntos que formos abordar, na tentativa de parecermos inteligentes, responsáveis e sensíveis ao alvo da nossa paixão.
Nessas ocasiões, nem adianta disfarçar, para os parentes e amigos, que estamos apaixonados. O simples brilho dos nossos olhos denuncia essa condição. E, claro, a súbita mudança do nosso comportamento confirma esse estado peculiar. Até o mais tolo dos tolos, ou o mais distraído dos nossos conhecidos, nota isso.

A despeito de tudo, porém, há momentos de intenso sofrimento, que chega a ser até físico, quando estamos perdidamente apaixonados. São os que antecedem os encontros com o foco, o motivo, o alvo da nossa paixão. As horas parecem se multiplicar, dá a impressão que o tempo parou e a ansiedade se torna aguda, furiosa, insuportável e nos causa profundo desconforto.

Subitamente... eis que vemos a amada à distância, caminhando, sorridente, em nossa direção. Um calorzinho gostoso percorre todo o nosso corpo. O coração parece vir parar na boca, pulsando, intensamente. E, a partir de então, não temos mais olhos para nada e ninguém. Perdemos a noção de tempo e de espaço e nos sentimos, de corpo e alma, no interior do Paraíso.

O escritor russo, Anton Tchekov, fez pitoresca observação a respeito, no seu livro “Apontamentos”, com a qual sou forçado a concordar. Escreveu: “Aquilo que provamos quando estamos apaixonados talvez seja o nosso estado normal. O amor mostra ao homem como é que ele deveria ser sempre”.

Já imaginaram se fôssemos sempre assim?!! E se “todos” fossem?!! Certamente o mundo não seria tão violento, injusto e repleto de violência, corrupção, taras, velhacarias, lágrimas e dor. Seria o resgate permanente do bíblico Éden original. Quem sabe, algum dia, não será?!!





Jornalista, radicado em Campinas, mas nascido em Horizontina, Rio Grande do Sul. Tem carreira iniciada no rádio, em Santo André, no ABC paulista. Escritor, com dois livros publicados e detentor da cadeira de número 14 da Academia Campinense de Letras. Foi agraciado, pela sua obra jornalística, com o título de Cidadão Campineiro, em 1993. É um dos jornalistas mais veteranos ainda em atividade em Campinas. Atualmente faz trabalhos como freelancer, é cronista do PlanetaNews.com e mantém o blog pedrobondaczuk.blogspot.com. Pontepretano de coração e autêntico "rato de biblioteca". Recebeu, em julho de 2006, a Medalha Carlos Gomes, da Câmara Municipal de Campinas, por sua contribuição às artes e à cultura da cidade.

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