Amores incertos no mundo corporativo
Oscar Wilde disse que a vida imita a arte muito mais do que a arte imita a vida. Profundo. Permite mesmo uma boa reflexão. Lembro-me de quando vi pela televisão o Boeing 767-223 da American Airlines se chocando com uma das torres gêmeas no World Trade Center em Nova York, naquele aterrorizante 11 de setembro de 2001. Pensei: a imaginação desses cineastas não tem limite.
Demorei um bom tempo para tomar consciência de que não se tratava de um filme, mas sim de uma cena real. Afinal, nesse exemplo, a vida não só imitava a arte, mas apresentava ingredientes que estavam além dela. Até hoje quando assisto a algum documentário que reproduz aquelas cenas custo a acreditar que sejam reais.
Assim é com a nossa vida em todas as dimensões. Lemos um livro com a sensação de que se tratam apenas de fatos imaginários, e pouco tempo depois nos surpreendemos com episódios do cotidiano semelhantes àqueles idealizados pelo autor da obra. Não raro somos obrigados a aplaudir Oscar Wilde ao constatar que ele estava certo ao fazer a afirmação que fez.
No mundo corporativo o quadro é semelhante. Praticamente todos os episódios vividos nas corporações podem ser encontrados nos romances. Se você leu algum livro escrito por John Grisham ou assistiu a algum filme baseado em suas histórias deve ter observado que as narrativas dele não fogem do que se pode experimentar dentro das empresas. Só para citar dois dos mais conhecidos, A firma e Dossiê Pelicano
Certa vez, durante uma viagem que fiz aos Estados Unidos, comecei a ler um livro seu intitulado Nas arquibancadas. Como se tratava da história de um jogador de futebol americano, esporte pelo qual não tenho interesse por desconhecer suas regras, resolvi interromper a leitura. Já havia lido todos os livros que levara na viagem e só restava esse.
Sem outra opção retomei a leitura e para minha grande surpresa gostei bastante da história. Nessa época eu estava reescrevendo o livro Vença o medo de falar em público e pude aproveitar uma cena extraordinária da obra Nas arquibancadas para ilustrar um dos capítulos do meu livro. É o momento em que o protagonista da história entra em pânico quando precisa falar diante de uma plateia. Foi uma descrição tão real que serviu como uma luva para o que eu precisava.
Recentemente minha filha Roberta Polito lançou o romance Amores incertos pela Editora Europa. É uma história de amor onde duas mulheres disputam o mesmo homem. Olhando na superfície este livro não teria nenhuma ligação com a vida corporativa, mas ao mergulhar em suas páginas a opinião passa a ser outra.
A protagonista Marina Spinelli vive um dilema que atormenta muitos de nós, continuar trabalhando como empregada ou montar seu próprio negócio. No seu caso, manter o emprego seguro como psicóloga em um hospital psiquiátrico ou fazer o que mais deseja, montar seu próprio consultório.
O marido dela, Edu, também vive um conflito profissional, continuar fazendo o que sabe e domina ou migrar para a área de Recursos Humanos, na qual não tem experiência, mas que passa a ser seu objetivo de vida. Deixar uma atividade que não nos proporciona sentido de realização, mas que nos mantém financeiramente, e partir para outra de que gostamos, mas sem os mesmos benefícios financeiros é uma decisão difícil.
Edu tem ainda a oportunidade de trabalhar na Inglaterra e se mostra muito competente no desempenho de suas tarefas. A autora delineia uma encruzilhada enfrentada por muitos de nós, deixar o país de que gostamos, onde estão nossa família e nossos amigos, e nos aventurarmos em terras estranhas, tendo de aprender a conviver com outras pessoas e uma cultura, às vezes, totalmente distinta da nossa, ou permanecer sem tentar o desafio.
Já o sedutor professor de arte de Marina, Luca Bérgamo, não se incomodou em deixar a família de que tanto gostava em Siena para ministrar aulas nos museus e academias de Florença. E não pensaria duas vezes em se mudar para o Brasil se essa atitude fosse necessária para viver um grande amor. Por isso, alguns de nós arrumamos as malas com tanta facilidade, enquanto outros jamais pensariam nessa possibilidade.
O romance de Roberta fala também do domínio que algumas pessoas passam a ter sobre nossa vida profissional, pois têm nas mãos o poder de decidir o que seria adequado para nós mesmos. Aceitar essas imposições de maneira cômoda e conveniente, com prejuízo da nossa dignidade, ou nos rebelar para que possamos ter a vida nas próprias mãos também passa a ser uma escolha difícil.
Portanto, romances apresentados nos livros, no teatro ou nos filmes podem nos mostrar a realidade que nós mesmos vivemos, especialmente na vida corporativa. É o que Mário Vargas Llosa chama de persuasão em seu livro Cartas a um jovem escritor. É o instante em que a história imaginada pelo autor se confunde com a realidade. Afinal, repetindo o que disse Oscar Wilde a vida imita a arte muito mais do que a arte imita a vida.
SUPERDICAS DA SEMANA
✹ Aproveite os romances para refletir sobre sua vida profissional
✹ Saiba o que os autores imaginam sobre a vida corporativa
✹ Tome decisões bem pensadas. Se não decidir, já decidiu errado
✹ A arte imita a vida. Sim, mas às vezes a vida imita a arte
Reinaldo Polito é Mestre em Ciências da Comunicação, Palestrante, Professor de Expressão Verbal e Escritor. Escreveu 15 livros com mais de um milhão de exemplares vendidos. Seu site www.polito.com.br
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