Manias e obsessões

Uma das mais belas canções do cancioneiro popular brasileiro, consagrada na voz de Elizete Cardoso (os mais jovens não sabem, com certeza, quem foi ela, mas a cantora foi considerada a melhor do País em todos os tempos, tanto que acabou apelidada de “A Divina”) é “Mania de você”, cuja letra (infelizmente, desconheço o autor, mas desconfio que seja Billy Blanco) diz:
“Entre as manias que eu tenho
uma é gostar de você,
mania é coisa que a gente
tem, mas não sabe porque,
mania de querer bem,
mania de falar mal,
de nunca se recolher,
sem antes ler o jornal.
De guardar fósforo usado
dentro da caixa outra vez,
de contar sempre aumentado,
tudo o que viu e o que fez”, e vai por aí afora.

O letrista foi sumamente feliz ao retratar, de forma bem-humorada e poética, um comportamento que todo o mundo tem, mas que raramente se dá conta ou admite. Desde que não seja extremado, diga-se de passagem, ele pode até irritar os que nos cercam, mas é inofensivo. Aliás, bem diz o ditado: cada louco tem sua mania. E creio que nenhum de nós escapa de um certo grau de loucura (sem levar a designação exatamente ao pé da letra, claro). Aliás, pouca gente sabe, mas a palavra “louco” é uma corruptela do termo “lógico”. E, de fato, se atentarmos bem, há uma certa lógica na loucura. Mas...deixa pra lá! Esse não é bem o assunto que quero tratar.

O tema que me fascina é a forma exacerbada da mania, ou seja, o comportamento neurótico chamado de obsessão. Trata-se da preocupação exagerada que algumas pessoas têm por determinada idéia, objeto ou situação. Manifesta-se de diversas maneiras e é gerada, em boa parte dos casos, por sentimentos de recalque ou por traumas, geralmente sofridos na infância. É a idéia fixa, a extrema necessidade, a compulsão que praticamente “obriga”, obceca, quem tem esse desvio, a repetir determinadas ações em certas circunstâncias. Tentarei ser mais claro.

O psicólogo norte-americano Alec Polard, que foi diretor da Unidade de Tratamento de Conduta do Instituto Wohl, da Universidade de Saint Louis, no Estado do Missouri, afirmou, anos atrás, em entrevista, que 60% dos seus pacientes tinham, associada a outras manias, a necessidade patológica de lavar as mãos. Agiam como se fosse questão de vida ou morte. Tinham um medo intenso, raiando o absurdo, o pânico, o terror, de sujeira, de germes e de doenças que estes poderiam eventualmente provocar.

Polard, que foi um dos mais conceituados especialistas mundiais no tratamento da conduta obsessivo-compulsiva, acrescentou que o principal objetivo de quem age dessa maneira é, através desse gesto exagerado de assepsia, aliviar a ansiedade. Revelou que alguns dos seus pacientes chegavam ao cúmulo de tomar até cem banhos num único dia, usando, não raro, poderosos detergentes, tão corrosivos que chegavam a lesar sua pele. E pensar que há pessoas que são piores do que gatos e morrem de medo de água. Mas...deixa pra lá.

Outra obsessão curiosa que o psicólogo observou foi a dos chamados “supervisores”. Dos que examinam, minuciosamente, portas, janelas, bicos de gás, luzes, fechaduras e tudo o que nas suas mentes doentias pareça se constituir em foco de perigo (remoto ou iminente, não importa) antes de saírem de casa para o trabalho, passeio ou lazer. Às vezes chegam ao extremo de cancelarem as saídas, temendo que na sua ausência algum desastre ou tragédia venham a acontecer.

Claro que nem todas as obsessões (ou manias, como queiram) são tão extremadas, e elas existem aos milhares. Algumas são tão comuns, que as pessoas que as têm nem se dão conta e as que com elas convivem chegam a achar que se trate de conduta “normal”. Quase nunca é. Polard cita, entre estes casos, os indivíduos (se eu fosse policial os designaria de “elementos”) que, por exemplo, dão murros na mesa, por qualquer coisa, quando querem impor, na marra, suas opiniões. Certamente o leitor já cansou de ver essa atitude, talvez tenha até sido vítima dela, mas nunca achou que quem a toma fosse neurótico. No máximo pensou que se tratasse de um mal-educado. Mas é maníaco, e dos bons.

Outros maníaco-compulsivos são os chamados “contadores”. Ou seja, os que sempre têm histórias, ou anedotas ou casos para contar e, não raro, nos momentos e locais os mais inoportunos. Contam piadas, por exemplo, em velórios ou em igrejas durante a missa. Ou narram histórias sem fim no local de trabalho ou em sala de aula. Ou cometem outras tantas inconveniências do tipo. Passam horas e horas tagarelando ininterruptamente, às vezes sem sequer tomarem fôlego, sem se importar com o relógio ou com o visível mal-estar dos atormentados ouvintes. Gozado, conheço esse tipo por outro nome: chato!!!

Há, ainda, os que guardam toda e qualquer bugiganga que encontram, como barbantes, plásticos, pregos enferrujados etc.etc.etc. Até caixas de fósforos usados, como diz a bem-humorada letra da canção que citei acima, colecionam, só não podem justificar o por quê. Nem poderiam. Nada justifica essa atitude irracional.

Tenho um amigo com essa obsessão. A garagem da sua casa é uma sucursal do lixão da cidade. Está tão cheia de quinquilharias, que mal cabe nela o seu carro. E ai daquele que se atrever a fazer a mínima observação a respeito! Esse tipo de neurótico não joga quase nada no lixo, mesmo o que, nitidamente, não tenha a mais remota serventia. Os psicólogos classificam essas pessoas de “colecionadoras”.

Devo ter lá, também, as minhas manias, embora não me lembre de nenhuma. Posso jurar, contudo, que pelo que sei, não há qualquer delas que beire, sequer remotamente, a obsessão, e muito menos a compulsão. Não coleciono, por exemplo, coisíssima alguma, a não ser livros, em decorrência da minha profissão. Não guardo objetos inúteis, pois gosto do máximo espaço livre ao meu redor, principalmente em minha casa. Não dou murros em nenhuma mesa, para impor minhas opiniões, embora gostasse, muitas vezes, de esmurrar determinados pilantras, por suas atitudes. Não fico contando histórias, piadas ou casos para ninguém: prefiro escrevê-los. Pelo menos com os textos, consigo faturar alguns caraminguás.

Mas tenho, sim, como todo o mundo, as minhas manias. Não nego. A principal delas, parodiando a letra da canção que citei, é a de “gostar de você”, caro leitor, que me acompanha, com tamanha paciência. Mas dessa, psicólogo algum, com certeza, haverá de me “curar”. Isso nunca! É irreversível!





Jornalista, radicado em Campinas, mas nascido em Horizontina, Rio Grande do Sul. Tem carreira iniciada no rádio, em Santo André, no ABC paulista. Escritor, com dois livros publicados e detentor da cadeira de número 14 da Academia Campinense de Letras. Foi agraciado, pela sua obra jornalística, com o título de Cidadão Campineiro, em 1993. É um dos jornalistas mais veteranos ainda em atividade em Campinas. Atualmente faz trabalhos como freelancer, é cronista do PlanetaNews.com e mantém o blog pedrobondaczuk.blogspot.com. Pontepretano de coração e autêntico "rato de biblioteca". Recebeu, em julho de 2006, a Medalha Carlos Gomes, da Câmara Municipal de Campinas, por sua contribuição às artes e à cultura da cidade.

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