Oportunidades de bravura

Os heróis são frutos da ocasião. Não me refiro àquele heroísmo do cotidiano, de quem encara as circunstâncias com determinação e otimismo quando tudo é desfavorável, e que sequer é reconhecido por quem quer que seja. O que quero ressaltar são aqueles atos de bravura, súbitos, impulsivos e surpreendentes, em que a pessoa arrisca a própria vida, para salvar a de alguém em risco iminente de morrer, sem medir as conseqüências.

Por exemplo, é o caso do cidadão comum e pacato, que vê uma criança atravessar uma rua movimentada prestes a ser atropelada por um veículo e que, sem pensar duas vezes, se atira à sua frente e a salva, podendo ou não ser atingido pelo carro (ou caminhão, ônibus etc., não importa). Ou o de quem entra num edifício em chamas para socorrer alguém que tenha sido cercado pelo fogo (um bebê, um ancião, um deficiente físico) e o resgata incólume. Ou tantas e tantas outras ações desse tipo.

Esse heroísmo confere imediata notoriedade pública a quem o pratica. Quem tem essa oportunidade (e a aproveita, claro), ganha manchetes de jornais, reportagens na TV, homenagens das autoridades e o carinho da população. Nada mais justo. Todavia são raras as circunstâncias que nos permitem que nos transformemos, em questão de segundos, de pessoas obscuras e desconhecidas em heróis. Muitos deles, inclusive, passados alguns dias, voltam ao ostracismo e raramente são lembrados. Outros, chegam, até, a ganhar estátuas em praças públicas e seus nomes são perpetuados, “batizando” ruas, escolas, ginásios esportivos etc.

É verdade que todos podemos ser, um dia, heróis desse tipo (não digo que seremos). Tudo depende, reitero, da oportunidade, do acaso, do momento e não apenas disso, claro, mas de se saber agir, com determinação e coragem, sem atentar para as conseqüências, quando formos compelidos por um sentimento interno a atuar dessa maneira. Não há quem não sonhe, no íntimo, em conquistar, para sempre, o respeito, a estima e a admiração gerais. E, convenhamos, não há mal nenhum nisso.

Já que não somos heróis (ainda), contudo, não precisamos ser covardes. As oportunidades para a covardia, ao contrário das do heroísmo, são muitas a cada dia, e quase infinitas ao longo da vida. Mas só depende de nós não descambarmos para essa condição jamais. Como? Fazendo a nossa parte no mundo. Descobrindo e assumindo o papel que nos cabe exercer na sociedade. Agindo!

A maior covardia, na minha visão, é a omissão. É deixar de fazer o que poderíamos (e deveríamos), por medo, indiferença, egoísmo ou qualquer outro motivo correlato. O romancista francês René Bazin (popular em seu país, onde chegou a ser senador e membro da Academia Francesa, mas relativamente desconhecido no Brasil) escreveu a respeito: “Só duas ou três vezes nos aparece, na vida, uma oportunidade para mostrar que somos bravos. Mas temos, diariamente, várias ocasiões para não ser covardes”.

E quem foi esse romancista? Foi um escritor católico de grande destaque e popularidade na França, em fins do século XIX e boa parte do XX (nasceu em 1853 e morreu em 1932), por exaltar, em seus livros, valores familiares, morais, cívicos e patrióticos. Hoje, muita gente “torce o nariz” para os seus escritos. Não deveria.

Considero o pessimismo doentio e exacerbado como outra forma bastante comum de covardia. Via de regra, o pessimista “de carteirinha” é, também, um omisso. Essa sua alegada visão negativa da vida não passa, na verdade, de pretexto, amiúde utilizado, para a omissão. Raciocina: “´Já que nada vai dar certo mesmo, por que vou me esforçar? Por que vou ajudar os outros? Eles que se virem! Ou que cobrem o governo, que existe para isso”, é o raciocínio de quem só vê obstáculos à sua frente e não enxerga as oportunidades. Quem já não ouviu algum dia esse tipo de declaração?

O pessimista encara a vida como um sacrifício, como um profundo e sombrio vale de lágrimas, repleto de pedras e de espinhos e de armadilhas de toda a sorte. Tolice. Falta-lhe, não somente sensibilidade, mas, sobretudo, compreensão. Falta-lhe sabedoria para entender o que é, onde está e com qual finalidade veio ao mundo.

O sábio, contudo, entende, valoriza e agradece o sumo privilégio que tem: o de viver. Releva os sofrimentos e dificuldades e considera-os nada mais do que lições, do que exercícios que o fortalecem e vivificam. Descobre, a cada momento, novos prismas, novos encantos, novas nuances de grandeza e beleza ao seu redor. Valoriza a alegria, a reflexão, as amizades, o amor e a harmonia. Enfim, sabe viver.

O sábio, portanto, na minha visão pessoal, é sempre um herói, mesmo que não salve jamais alguma vida, não pratique qualquer ato espetacular e arriscado e, por isso, não chame a atenção da opinião pública. Faz o que tem que fazer com responsabilidade e constância, sem queixas e nem cobranças. É útil, otimista, nobre e altruísta.

O sábio descobre o seu papel e o assume plenamente. Para quem tem sabedoria e sensibilidade, a vida não é nenhum “castigo”, mas uma grande festa. Quem tem essa lucidez, participa, com alegria, dessa celebração. Mas, como ressalta o filósofo norte-americano Ralph Waldo Emerson (e eu também enfatizo), “só o sábio” tem essa percepção. Por isso, nunca permite que o pessimismo envenene seus pensamentos, o que o torna um verdadeiro herói.





Jornalista, radicado em Campinas, mas nascido em Horizontina, Rio Grande do Sul. Tem carreira iniciada no rádio, em Santo André, no ABC paulista. Escritor, com dois livros publicados e detentor da cadeira de número 14 da Academia Campinense de Letras. Foi agraciado, pela sua obra jornalística, com o título de Cidadão Campineiro, em 1993. É um dos jornalistas mais veteranos ainda em atividade em Campinas. Atualmente faz trabalhos como freelancer, é cronista do PlanetaNews.com e mantém o blog pedrobondaczuk.blogspot.com. Pontepretano de coração e autêntico "rato de biblioteca". Recebeu, em julho de 2006, a Medalha Carlos Gomes, da Câmara Municipal de Campinas, por sua contribuição às artes e à cultura da cidade.

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