Ao moinho

Da janela, o que vejo, é outro prédio, iluminado pelo sol. E um raio da memória novamente ataca. Vibro calado. Em cada nervo, em cada tendão ressurge um sentimento, e pergunto se a vida é assim, um antes e um depois e um mesmo, sempre. Sorrio. E me ocorre a história do ano que há pouco se encerrou. Copa do mundo de futebol, 2014, Brasil. Torcedores estrangeiros de diferentes nacionalidades se empanturravam na conta de uma grande descoberta: refeições no bufê a quilo. Sim, leitor, eles não conheciam e nem sabiam que existiria, no mundo, comida pronta vendida a quilo.

E contava a atendente do restaurante, na entrevista ao jornal, "nos primeiros dias, eles enchiam os pratos a não poder, depois se acalmavam, mas seguiam comendo loucamente". Sorri, novamente. O que não faz a fartura. Fartura de tempo, das horas, de sabores - como nesse caso, em que o mundo redescobriu a terra brasilis, dos tupiniquins e tupinambás (que eram antropófagos), num mais do que corriqueiro restaurante de esquina.

Fartura sempre é bom, boníssimo, feito os papéis e emails que infestam minha mesa de escritório e um computador aceso, farto de cores. E toda aquela fartura das festas, trouxe-me alguns quilos a mais, junto a pele morena e a lembrança gorda de bons momentos, para me alertar de que talvez fosse a hora de dar início a novo livro e a exercícios físicos, como a compensar tanto tempo parado na frente do computador, e depois agendar consultas ao médico e ao dentista, academia de ginástica, checagem no coração, diabetes e etc.

As festas de fim de ano ficaram para trás, vivaram passado. Roupa bonita e muito champanhe (dizem que não podemos usar a palavra champanhe, mas, do que sei, não patentearam ainda meu texto, portanto seguirei chamando de champanhe o que aprendi por champanhe).

Alguém acaba de surgir numa mensagem mínima, pulsando irritante no canto da tela e quebrando o devaneio de quem deveria estar trabalhando e não sonhando: "o carnaval será em fevereiro, sabia?" Quase sou derrubado, meus pensamentos são derrubados. Como assim, o verão terminará mais cedo? De imediato pressiono com dois cliques a data presa no canto inferior da tela do computador. Pouco descubro. Retorno à mensagem, que me parece absurda, "quem disse?". E a pessoa, que se apresentava como um velho amigo a trabalhar na editora em que negocio um livro, e que ainda não havia tirado férias, responde, "2015 começa mais cedo, não sabia?"

Desligo a máquina das más notícias, ponho o celular no mudo. Porqueira. Recolho a papelada na primeira gaveta. Passo pelo café sempre pronto, não sorrio. Saio ensimesmado pelos corredores e lances da escadaria que me separa da mesma paisagem que da janela fazia lembrar da fartura. A páscoa, por lógica cristã, será mais cedo, procede? Então, que venha o carnaval! Neste ano sairei de Dom Quixote.





Escritor, poeta e cronista, Paulo Tedesco contribuiu por vários anos para diversos jornais brasileiros na Flórida-EUA. Conheça o Blog do autor - clique aqui!

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