Vida Beta

Ainda que reflitamos animadamente sobre as novas capacidades do pensar e fazer em processo quase simultâneo, como havia dito em texto anterior, nos provoca também o inacabado como resultado dileto deste momento; espécie de efeito colateral irreversível, dada à simplificação que se tornou o fazer.

E do que falo? Ora, se o pensar propiciou um acontecer de razoável usabilidade, o não acabamento, o incompleto, o nunca acabado, me parece que é o que se sobressai ao fim.

O tal “beta”, termo usado para um produto experimental e em fase de testes, nada mais é do que um primeiro estágio do inacabado que usávamos; um inacabado que seguiria até outro estágio de inacabamento, ou até que fosse designado como uma última versão, ou mesmo descontinuado por seus criadores e, em seguida, retomado sob outro molde e uso. Resumindo, um produto sempre consumido de forma incompleta e carente de totalização.

A implicação para nosso cotidiano talvez, e possivelmente, nada interferiria na vida, afinal uma planilha de contas pessoais não exige muito nesses momentos, e o que dela se extrai é mais do que o suficiente. Mas, e se pensássemos, repentinamente, que tudo ou quase tudo que consumimos começou a ser “beta”?

A obsolescência programada, ou o desuso programado dos aparelhos eletrodomésticos que compramos, para que nos obriguemos a comprar outro novamente, é um fato que parece dar certa concretude a essa vida “beta”.

As empresas que desenvolvem televisores e celulares, para manter sua lucratividade, face ao surgir constante de atualizações, se valem dessa “incompletude” ou semi-acabamento das coisas para dar retorno cada vez maior e melhor a seus acionistas. O que justificaria preços e margens sempre maiores do que as anteriores.

Essa a lógica cartesiana que a modernidade líquida terminou por nos apresentar: um rosto novo mas de interior envelhecido ainda que no berço. Conquistamos a capacidade jamais de vista de processar mudanças e aprimorar nossas vidas em poucos segundos e a custos cada vez menores, porém e infelizmente temos privadas indústrias de massa, estabelecidas como intermediadoras de boa parte de nosso consumo, de nossa felicidade “beta”, que talvez nunca seja “alfa” para o resto dos tempos.





Escritor, poeta e cronista, Paulo Tedesco contribuiu por vários anos para diversos jornais brasileiros na Flórida-EUA. Conheça o Blog do autor - clique aqui!

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