Dissecando a mente humana

O homem é o único ser vivente (pelo menos neste Planeta, pois ainda não se descobriu vida inteligente em outras partes do universo, embora a lógica indique que exista, e muita) dotado de razão. Tem capacidade de entender (conta com a prerrogativa da “inteligência”), pelo menos rudimentarmente, o que é, onde está e como deve proceder para conservar a vida (própria) e se reproduzir, para assegurar a sobrevivência de seus genes e, em última análise, da espécie. Todavia, é um animal. Tem as mesmas características biológicas e necessidades básicas de todos seus companheiros de criação. Precisa se alimentar, respirar, excretar, controlar a temperatura etc. como todos demais seres viventes. A despeito da sua peculiaridade – no caso, o fato de ser dotado de razão – tem os mesmos instintos dos demais animais. Ou seja, instintivamente age no sentido de se preservar e de se reproduzir, e compete, quando necessário, pelo alimento, pela parceira sexual, pelo espaço que considera vital etc.etc.etc.

A diferença é que tem condições de identificar, e de controlar, esses instintos. É capaz de direcioná-los para a cooperação com outros espécimes da mesma espécie, em vez buscar sua mera destruição quando se sentir de alguma forma ameaçado por eles. A essa identificação, a esse controle e a esse direcionamento é que se convencionou chamar de “civilização”. Esta, em última análise, portanto, não deixa de ser uma repressão aos nossos instintos básicos.

Grosso modo, esse é um resumo (pelo menos no meu entendimento de leigo) do pensamento de Sigmund Freud a propósito da mente humana que virtualmente “dissecou” e de sua principal diferença (no caso, vantagem) em relação aos demais animais. Fundamento essa conclusão na seguinte declaração do ilustre e polêmico “Pai da Psicanálise”: "A renúncia progressiva dos instintos parece ser um dos fundamentos do desenvolvimento da civilização humana". Claro que o homem “ainda” não renunciou a todos eles e sequer se sabe se tem capacidade de renunciá-los.

Nem mesmo se sabe se uma renúncia tão radical é benéfica ou perigosa, o expondo a riscos de toda a sorte e até ao da sua extinção. Para Freud, ela seria desastrosa. Ele declarou, a propósito: “A nossa civilização é em grande parte responsável pelas nossas desgraças. Seríamos muito mais felizes se a abandonássemos e retornássemos às condições primitivas". Não concordo e nem discordo dessa afirmação. Prefiro analisá-la com mais vagar antes de chegar a alguma conclusão.

Freud concluiu, em seus estudos, que a consciência humana subdivide-se em três níveis: Consciente, Pré-Consciente e Inconsciente. Creio que os três termos são auto-explicativos. Esses conceitos são um tanto complexos e de difícil entendimento. Para torná-los mais claros e ser mais didático, recorrerei, quando julgar necessário, a informações colhidas na enciclopédia eletrônica Wikipédia, até porque não sou especialista na matéria. Não passo de mero curioso que engatinha pelos meandros do autoconhecimento.

O substrato Consciente da nossa mente é o perceptível, o que identificamos como “realidade” e que “entendemos” (até com o auxílio dos cinco sentidos), sem maiores dificuldades. O Pré-Consciente é o que está latente no fundo da consciência. É o que ainda está indefinido, meio que esboçado, incompleto, mas que pode emergir à consciência com certa facilidade. Já o Inconsciente... é o que está de fato em nós, mas que sequer sabemos que está, embora intuamos. Trata-se do conteúdo mais profundo da mente. Está ligado diretamente aos instintos. Podemos, eventualmente, trazê-lo à consciência, ou não. Mas existe. Está em nós. Integra nossa mente.

Freud criou – ou pelo menos “batizou” dessa maneira – três entidades, três níveis de consciência, que denominou de “Id”, “Ego” e “Superego”. A propósito deles, prefiro tratar em texto próprio, em separado, e em outro dia, dada sua importância na concepção da Psicanálise.

Antes de encerrar estas reflexões, ressalto, todavia, o papel que o polêmico psicanalista atribuiu ao instinto sexual, no seu entender (e no meu) um dos mais poderosos e irresistíveis, que determina a imensa maioria dos nossos atos (se não todos), positivos e/ou negativos. Esse aspecto de sua teoria, aliás, foi o que causou maior escândalo na comunidade científica, e no público em geral, absolutamente leigo na matéria. E essa oposição era até previsível, se considerarmos a época em que Freud realizou seus estudos. Foi a ignorância generalizada que lhe granjeou tanta e tão ferrenha oposição. Tolice, claro. Falta de espírito científico de seus críticos, imbuídos, certamente, de hipócrita e falso moralismo.

Freud declarou, por exemplo: "É quase impossível conciliar as exigências do instinto sexual com as da civilização". Nosso impulso, nesse aspecto, não difere em nada do dos demais animais. O que a razão nos possibilita, é dissimulá-lo, o que as broncas feras não conseguem. Imaginem o efeito que causou, numa sociedade dissimulada e que se apegava às aparências, em detrimento da realidade, uma declaração como esta, feita por Freud: "Há numerosos indivíduos civilizados que recuariam aterrados perante a ideia do assassínio ou do incesto, mas que não desdenham satisfazer a sua cupidez, a sua agressividade, as suas cobiças sexuais, que não hesitam em prejudicar os seus semelhantes por meio da mentira, do engano, da calúnia, contanto que o possam fazer com impunidade!". Não lhe parece, paciente leitor, uma declaração feita por alguém hoje de manhã, após a leitura dos jornais diários?





Jornalista, radicado em Campinas, mas nascido em Horizontina, Rio Grande do Sul. Tem carreira iniciada no rádio, em Santo André, no ABC paulista. Escritor, com dois livros publicados e detentor da cadeira de número 14 da Academia Campinense de Letras. Foi agraciado, pela sua obra jornalística, com o título de Cidadão Campineiro, em 1993. É um dos jornalistas mais veteranos ainda em atividade em Campinas. Atualmente faz trabalhos como freelancer, é cronista do PlanetaNews.com e mantém o blog pedrobondaczuk.blogspot.com. Pontepretano de coração e autêntico "rato de biblioteca". Recebeu, em julho de 2006, a Medalha Carlos Gomes, da Câmara Municipal de Campinas, por sua contribuição às artes e à cultura da cidade.

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